Um grupo de
seis amigos e conhecidos caçadores decidiram este ano ir fazer a abertura da
caça ao Uruguai, designadamente às perdizes e às lebres. Para tal
fizeram-se acompanhar de três Epagneul Bretões, duas fêmeas e um macho, entre
as fêmeas incluía-se a minha Pipoca que já no mês de Julho completa sete anos,
e o que lhe falta em capacidade de resistência sobra-lhe em experiência. Os
nossos cães de parar adaptam-se muito bem à caça da perdiz Uruguaia já que esta
variedade de perdiz se assemelha muito às nossas codornizes bravas dos
Açores, embora tenha uma envergadura substancialmente maior. Um cão
bem rodado na caça às codornizes nos Açores e que tenha um bom nariz, no
segundo dia de caça já se apercebeu das artimanhas que a perdiz Uruguaia
utiliza para se furtar aos predadores e que são muitas.
A caça a
estas espécies cinegéticas no Uruguai começa no primeiro de Maio, coincidindo precisamente
com o Outono na América do Sul.
Este ano
tomamos a opção de não nos integrarmos em nenhuma organização profissional de caça,
embora contássemos com o apoio de uma espingardaria em Montevidéu que nos
ajudou no acesso a todas as licenças que nos habilitaram a caçar legalmente no
Uruguai e nos vendeu as munições. Foi também imprescindível para o sucesso
desta organização o apoio de uma família local e na qual destaco um ex-guia de
caça que, presentemente, desempenha outra atividade profissional, mas por
uma amizade antiga nos ajudou muito com a sua experiência e conhecimento
dos terrenos. Ainda neste capítulo a vinda antecipada para o Uruguai do Dinis,
em cerca de dois dias, também foi determinante.
A caça no
Uruguai é dos proprietários dos terrenos e ninguém lá caça sem a sua autorização,
e é precisamente neste pormenor que se joga uma parte muito importante dos
resultados a obter no acto cinegético, já que a outra parte diz respeito à
qualidade dos nossos cães. O acesso a um campo-terreno (1000 a 5000 ha)
pode variar de quarenta a cem euros, o que no nosso caso dava um
custo per capita de cerca de cinco euros. Os terrenos, na sua maior parte, são
cultivados com soja e pasto para o gado de carne e leite. Nos cinco dias em que
cacei sempre acompanhado com a minha Pipoca fiz resultados extraordinários, com
lances inesquecíveis, e o mesmo se pode dizer dos outros dois grupos de caçadores,
já que cada cão de parar caçava com dois caçadores.
Um outro
aspecto a destacar foi a elevada componente social muito fortalecida com
refeições magistralmente confeccionadas no campo, aproveitando parte do
produto da caça e com o bacalhau levado de Portugal, já que os Continentais que
integravam o Grupo se não comessem bacalhau ficavam muito infelizes. Eu e
o José Correia fomos os cozinheiros de serviço, cozinhando eu a caça e ele o bacalhau.
Continua
muito impressionante, pela positiva, a riqueza da fauna Uruguaia com particular
destaque para as aves, com espécies muito variadas e de uma beleza indescritível.
Do meu ponto de vista mereciam um estudo aprofundado e com toda esta riqueza
poderiam incluir roteiros de observação de aves do mais fascinante que se pode imaginar.
Uma outra
nota muito positiva vai para a população Uruguaia e em particular a de Trinidad
que é a capital do Departamento de Flores. As pessoas ainda se cumprimentam sem
se conhecerem e dar os bons dias é mesmo uma prática corrente. Trinidad tem
cerca de vinte e um mil residentes e o Departamento de Flores vinte e cinco mil
habitantes, com uma área de 5146 Km2, predominantemente agrícola (soja,
sorgo, pasto, trigo, cevada e girassol). Eu que quando viajo para estas terras
é mesmo para caçar, também aprecio estes pormenores e a etnologia e etnografia Uruguaia.
Soube bem festejar no Uruguai a Vitória do Benfica sobre a Juventus e
depois de mais uma caçada muito agradável.
De referir
como muito emocionante o reencontro que tive com o Tito, um Setter Inglês
com quem tive o privilégio de já ter caçado no Uruguai em tempos idos,
e foi muito comovente verificar como ele me reconheceu, foi com muito esforço
que tive de conter umas lágrimas . Numa das viagens anteriores não o
trouxe comigo para os Açores devido às complicações e entraves que são
colocados ao transporte aéreo de cães. Fui informado que o dono deste Setter, o
Nelson Gutierres, tinha falecido o ano passado num trágico acidente com uma
carrinha de transporte.
A parte mais
negativa deste empreendimento é a caça se desenvolver em terrenos com
produções excluindo a pastagem, baseadas em métodos de produção
intensiva e com o recurso progressivo a químicos e pesticidas, como é
visível na produção da soja. As consequências imediatas são uma redução de
todas as espécies bravias que habitam naqueles terrenos e a prazo será a
exaustão dos próprios solos como ocorreu em Portugal no Alentejo com a Campanha
do Trigo durante o Estado Novo.
Este tipo de
produções está a gerar elevados rendimentos de curto prazo e são fruto da
procura acrescida para a produção de energia com o recurso à soja.
Um outro
aspecto muito negativo são as infindáveis burocracias a que os caçadores são
sujeitos nos Aeroportos e nas companhias de aviação quando se fazem acompanhar
de cães de caça e de armas de caça, uma autêntica tragédia. Viajar hoje para um
caçador deixou de ser um acto alegre e de boa disposição, e transformou-se num sacrifício,
razão porque dificilmente regresso a estas paragens. Para me
chatear já bastam as viagens inter-ilhas nos meus Açores, e quanto a estas,
e enquanto tiver saúde nunca vou desistir, pois não me importo de as ter
de suportar e fazer todos os sacrifícios para praticar a caça com cão e que
tanto valorizo.
Texto e foto da autoria de Gualter Furtado