6 de abril de 2010

Evocações

Falo-vos de sequazes de Nemrod, que nos fastos da cinegética nacional são bem conhecidos, pelo menos para os mais "peugueiros" de leituras cinegéticas, dada a obra de reconhecido valor que nos legaram.
Trata-se de trabalhos editados, com reconhecido interesse histórico-cinegético, científico, etnográfico e "haliêutico", pois a esta nobre arte também houve quem se dedicasse e apaixonadamente em Tomar, a vetusta terra do Nabão.
Refiro-me a Júlio e a seu irmão Fernando Araújo Ferreira, também conhecido por Dr. Nini Ferreira.

Falemos, pois, um pouco mais das suas trajectórias de vida: feito o 5º ano vem para Lisboa, uma vez que seu pai fora colocado como professor nos "Pupilos do Exército". Era, porém, na sua terra, longe dos olhos mas perto do coração, que o seu pensamento estava: ali passavam sempre as férias, de fisga e mais tarde de "Flobert" em punho, a contas com a passarada. Seriam já os primeiros sinais do afã venatório que viriam a sentir e a viver por toda a vida.
Terminado o liceu pelos anos 20 do século passado, Júlio, o mais velho, segue para a Escola de Guerra, e aqui, no final do ano lectivo eram da praxe as provas de atletismo em que se distinguiam atletas de alto gabarito: e não é que o Júlio bate toda a concorrência, inclusive o Ápio de Almeida, atleta do Sporting, um campeão em título!
De Alvalade vem logo uma comitiva falar com o atrevido, e passado pouco tempo já envergando a camisola do Sporting, sagra-se campeão nacional 110 metros barreiras.
Paralelamente, foi progredindo na sua carreira das armas onde atingiria o posto de coronel. Nos finais dos anos 50 algo não lhe agradou e pediu para passar à reserva. Surge, então, um convite para liderar uma reserva de caça em Terras do Fim do Mundo (Angola). Na metrópole, à revista Diana, Caça e Tiro ao Voo e ao Jornal Caça e Pesca iam chegando interessantes artigos da sua pena. Terminada a missão, volta a Tomar e passa a dedicar-se à escrita de livros até que surge um novo convite, desta feita para comandar o sector militar de Cabinda, cargo que viria a acumular com o de governador. As provas de sensatez e verticalidade dadas no exercício destas missões levariam mais tarde à sua nomeação para Governador de Luanda.

O seu irmão segue outro rumo, licencia-se em farmácia e estabelece-se em Tomar com a "Farmácia Central", actividade que desempenhou de permeio com a sua outra paixão, o jornalismo, onde pugna pela causa Tomarense (ecologia, festas e tradições locais). Colaborou acerrimamente e dirigiu (O Templário 1952-58, Cidade de Tomar 1983-85).
Deixou-nos também obra incontornável sobre Tomar, seus costumes e tradições e os não menos interessantes Galinholas, (1949) e Pesca Desportiva - ao redor da linha francesa (1969), este com tradução em espanhol.

Por seu lado Júlio, voluntáriamente destacado para os então territórios ultramarinos, nas horas de ócio acampava ou aboletava-se em tabanca amiga; pois era esse o seu deleite. Nas suas incursões, o intrépido caçador calcorreou vinhedos e pinhais, a "vassouras" e florestas, savanas e pântanos, "lalas" e "bolanhas", "chanas" e "anhares". Foi o que habitualmente se chama um caçador do tordo ao elefante; mas não foi só para caçar, muitas vezes deixava a arma no descanso e com desvelo pegava na sua "Leica", pois o seu interesse pela fauna e sua biologia era enorme.
Em 1949 delineia um plano para a Reserva da Cufada na Guiné, propondo-o ao então Governador, vindo este a aprova-lo. As suas incursões de caçador e de naturalista resultaram em vários livros de monta publicada, (A Fauna da reserva da Cufada, 1948; Bichos da Guiné, 1973; A Técnica do tiro de Caça a Chumbo, 1979 e A Caça uma Saudade, 1989).
No intervalo das suas comissões de serviço e sempre que lhe era permitido, Júlio Ferreira regressava à Metrópole, para aí poder confraternizar lado a lado com o irmão; mas sempre sem desprendidos de rivalidade.

Portanto companheiros, agora que as nossas armas repousam no armeiro, errem, errem por esses campos (das letras) na companhia de velhos confrades de antanho.

Nuno Sebastião

Texto e foto de Nuno Sebastião
Publicado na Calibre 12, em Junho 2009 e aqui transcrito com a devida autorização do autor

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