30 de novembro de 2010

Galinholas na Bulgária

"Impulsionados pela paixão que nos anima pela caça em geral e em especial pela caça da Galinhola, aproveitando umas passagens aéreas acessíveis, um programa de caça e de estadia na Bulgária que nos pareceu equilibrado, lá nos decidimos a fazer esta viagem.
Tudo foi programado ao pormenor, excepto a densidade de galinholas.

Optamos em boa hora pela companhia aérea Lufthansa, um símbolo de eficiência e de tratamento exemplar para com os nossos dois Setters Ingleses, indo ao ponto de, numa escala de 03h00 que tivemos de fazer em Frankfurt, ter realizado uma limpeza às caixas de transporte dos cães, colocado no fundo das mesmas um papelão absorvente e ainda de ter dado de beber aos animais.
Foi realmente um tratamento excelente e por um preço mais baixo quando comparado com os custos praticados pelas companhias de aviação nacionais e por outras estrangeiras.
Voltando ao nosso percurso, partimos de Ponta Delgada com passagem por Lisboa e Frankfurt até ao destino final Sofia.
De Ponta Delgada a Varna, ida e volta, são cerca de 12 000 Kms.
Chegados à capital Búlgara, dirigimo-nos de carro, num trajecto de 06h00, até Varna, que se situa mesmo junto do Mar Negro e em cujos bosques se encontra a nossa famosa Galinhola, que nesta época do ano chega àquelas paragens fugida dos rigores do Inverno Russo e, sobretudo, do Siberiano.
É realmente necessário sentir muita paixão pela caça para se empreender uma viagem desta magnitude e com algumas noites sem dormir à mistura.

A Bulgária é um país dos Balcãs, com cerca de 7,7 milhões de habitantes e que integra hoje a NATO, sendo, desde 2007, também membro da União Europeia.
Cerca de 84 % da sua população é Búlgara e a restante advém de outras comunidades, com destaque para a Turca e Cigana.
Após a II Guerra Mundial e até 1990, esteve sob domínio da União Soviética, o que explica o facto da maioria esmagadora da população falar apenas o Búlgaro e entender o Russo.
É também um país com muitos problemas, com uma grave crise demográfica, com uma base produtiva baseada na Agricultura e Floresta, nalguma reparação Naval e com dois produtos de excelência que são os iogurtes e o óleo de rosas, o que é muito pouco para fazer face ao atraso estrutural que apresenta, olhando, por isso, para a Senhora Merkel e para a poderosa Alemanha à espera de um milagre.

Caçamos 4 dias às Galinholas, num terreno com uma cobertura muito forte de carvalhos e estes eram de tal forma densos que tínhamos, por vezes, dificuldades em nos deslocarmos em tais condições.
Paralelamente fizemos ainda umas caçadas às Codornizes bravas e a umas Perdizes Cinzentas, estas últimas, na sua maioria, reproduzidas em cativeiro.
Eu, o José Carlos, o Carlos Pedro Jorge e o Jorge da Benedita, andamos cerca de 60 Kms atrás das Galinholas e vivemos lances extraordinários, sobretudo protagonizados pelo Setter Inglês Hudin, que o José Carlos e o Jorge souberam concretizar com o aproveitamento máximo.
A primeira Galinhola foi abatida pelo Carlos Pedro Jorge e cobrada pela Setter Inglesa Madona. Se eu a deixasse fazer tudo o que desejava teria de ir busca-la a Moscovo, dada a intensa Paixão que a movia.
Acresce a emoção das paragens feitas pelos cães a corços no interior dos bosques, a que se seguiam os gritos de alerta do guia a dizer: não, não, não… que nós respeitávamos, obviamente.
Tirando estes momentos extraordinários, e em termos gerais, esta caçada às Galinholas na Bulgária ficou aquém das nossas expectativas já que fomos traídos pelo Clima, o único factor que não chegamos a programar na elaboração desta empresa. É que ao contrário dos anos anteriores, o tempo na Rússia e naquela parte da Europa em particular, estava mais quente para o que seria normal nesta época do ano, alterando assim a rota de emigração das Galinholas.
Em síntese, as Galinholas com que nos deparamos foram em menor número do que aquele que esperávamos encontrar.
O clima está mudar; os incêndios sucedem-se com resultados terríveis para as Galinholas e todo este cenário merece uma reflexão muito profunda. Incluindo nos Açores e no que diz respeito às Galinholas endémicas deste arquipélago.
O que podemos concluir nesta fase é que as condições climatéricas são determinantes na caça às aves de arribação e que o clima está a mudar brutalmente.

Não obstante o esforço da nossa tradutora e dos dois guias que conheciam bem os terrenos de caça, a Organização também ficou abaixo das nossas melhores expectativas.
As condições de alojamento eram sóbrias, rigorosas e com uma lareira poderosa que as condições atmosféricas exteriores infelizmente não justificavam.
A comida era razoável, tal como a Grapa, uma espécie de água ardente que os Búlgaros bebem como aperitivo e a acompanhar as entradas compostas por saladas e massas.

Como curiosidades desta aventura búlgara, junto a capa de uma revista de caça búlgara, uma foto de uma Lebre enorme atirada pelo José Carlos e uma ave cobrada pelo Carlos Pedro Jorge que  julgo ser um macho de codorniz albino, mas quanto a isso aguardo a confirmação do Carlos Pereira."

Texto e fotografias da autoria de Gualter Furtado

29 de novembro de 2010

Um Jovem Caçador

"Nos anos mais recentes e a convite do amigo Carlos Bentes, tenho participado numa caçada às perdizes e lebres promovida pela Associação de Caçadores e Pescadores de Gomes Aires, no Alentejo profundo.
No ano passado conheci nessas andanças o jovem caçador Dinis e este ano voltei novamente a encontrá-lo.
O Dinis tem 12 anos e desde os 5 anos que acompanha o Pai nas caçadas... e sem ser preciso ir acordá-lo.
A sua motivação é genuína e corre-lhe nas veias aquele dom e a paixão que os verdadeiros caçadores têm.
O que nele mais me impressiona é a determinação na condução dos seus cães, dos quais refiro apenas o nome de alguns deles: o Magano, o Pouca Sorte, a Teresa e a sua nova companhia que é a pointer fêmea, Travessa.
Numa época em que todos os factores se conjugam para afastar os caçadores da prática cinegética e dificultar a entrada dos jovens no mundo da caça, é de louvar a atitude do Dínis e fazer votos para que floresçam muitos mais como ele, incluindo também aqui nos Açores."

Texto e fotografia da autoria de Gualter Furtado

28 de novembro de 2010

Recordar é Reviver - O Troféu de Caça

A caça ao troféu, apenas e só pelo troféu é, dentro da actividade venatória, a que menos argumentos apresenta para a firme defesa dos Caçadores.
Pessoalmente muito me custa a compreender a morte de um animal pela mera razão do bicho ostentar um conjunto de atributos físicos exemplares, que depois de medidos e certificados são transformados em pontos, medalhas e demais distinções.
Nessa busca pelo maior e mais belo troféu, não estará também a ser prejudicada a qualidade genética das espécies caçadas?
Não falarei nem de um, nem do outro, porque não entendo semelhante comportamento e porque, quanto à questão, também não lhe sei a resposta.
Dedico sim as linhas que se seguem a todos aqueles que buscam no lance de caça uma experiência pessoal enriquecedora, uma memória para a vida, uma narrativa, o seu verdadeiro troféu!

O troféu de caça não se trata somente de uma recordação e muito menos de uma mera demonstração de triunfo. Perpetua uma memória e honra um animal; seja através da pena de pintor da galinhola, das navalhas de um javali, das hastes de um veado, do crânio de um lobo ou do corpo inteiro de um leão.
Nele valoriza-se o modo como viveu e foi abatido, jamais o facto de estar morto – o que menos importa.
A moderna taxidermia oferece-nos verdadeiras obras de arte que procuram representar a relação que o caçador desenvolveu com o animal no decurso da caçada.
O troféu ideal será o de corpo inteiro, mas nem todos os caçadores possuem capacidade para tal, por diversos factores.
Independentemente do tamanho ou da parte que se optar por manter, o que nele deve ficar imortalizado é o espírito e a essência do animal, sob pena de o diminuir e desvalorizar.
A pose sobre a qual ficará imortalizado deverá ser a mais natural possível, de modo a poder transmitir-nos como se movimentava e vivia, devendo evitar-se exageros antinaturais ou atitudes demasiado agressivas.
Concluído e observado esse trabalho por si só, na ausência do caçador e sem a sua explicação, por mais admirável que se nos possa apresentar, ficará imperceptível tal conexão e não o compreenderemos.
Tudo não passará de uma montagem inerte, que nada nos transmitirá,... um desperdício!
O troféu é único e permanece vivo apenas na memória do caçador que o tomou.

Não se consegue verdadeiramente um troféu de caça num ambiente fechado, artificial e controlado.
O caçador, para o poder ganhar, deve assumir o predador que existe em si, integrar-se e envolver-se intensamente na perseguição do animal selvagem, tentar conquista-lo na natureza bravia e aceitar a possibilidade de derrota, de não conseguir alcançar o alvo.
Jamais deverá confundir-se o troféu de caça com um prémio desportivo, atribuído e testemunhado por estranhos, porque a caça é pessoal e muitas vezes um acto solitário, pelo que deve ser o próprio caçador a decidir se o merece realmente. Decisão essa baseada no seu conhecimento e experiência.
Não deixa de ser, antes de mais, um objecto de recordação, emblemático do animal e do seu local de origem, que acabará por ser exposto num espaço distinto e distante do lugar onde foi capturado, porém, ao contrário dos outros artigos de recordação, o troféu de caça é único, não pode ser produzido em série, comprado e muito menos oferecido, porque simplesmente não teria qualquer significado ou lugar na narrativa verídica que lhe devolve à vida.
Tudo se inicia no próprio acto de caça e desenvolve-se ao longo das etapas de conversão do animal numa tábua ou num elaborado diorama, através de um processo que transformará o animal vivo e impessoal numa representação da relação íntima e única que possui com o caçador, procedente do drama entre a presa e o predador.

Uma das primeiras etapas após a tomada do animal é a realização do quadro de caça, muitas vezes perpetuado através da fotografia.
Até este procedimento, se bem observado, distingue-se do retrato turístico partilhado com os amigos por ocasião do relato da viajem. Neste, o turista apresenta-se descontraído, por vezes em movimento, sem grande cuidado quanto ao enquadramento da imagem e, em todas, aparece defronte do motivo fotografado.
Tal já não acontece na fotografia de um digno troféu de caça.
Verifica-se o respeito pela regra dos terços, quanto ao enquadramento; a apresentação do animal – se de corpo inteiro – é retratado de lado e deitado sobre as suas patas.
A fotografia é tirada ao nível da altura do bicho ou um pouco mais acima; o caçador apresenta-se por detrás do troféu, sobre os seus joelhos, de modo a evitar que apareça o calçado ou as suas pernas e, por vezes, a arma é colocada à frente e encostada ao corpo do animal, sem munição na câmara e numa posição de segurança.
Mesmo tirando o turista uma fotografia a uma espécie selvagem, no seu ambiente natural, pouco mais poderá acrescentar sobre a mesma, porque quase não interagiram. Limitou-se a observa-la de uma segura e controlada distância.
A fotografia do troféu de caça encerra uma história de perseguição, contada com grande entusiasmo e pormenor em relação ao local, às movimentações, à escolha daquele animal específico, à aproximação, ao disparo, à emoção sentida aquando do cobro.
Com o quadro de caça, o caçador, além de concluir um conto de vida e de morte, ao levar o troféu consigo e o expondo na sua sala, perpetuará as características, o comportamento e as qualidades de tão cobiçado animal, através da memória pessoal e da narrativa. Por outras palavras: em casa, devolve-o à vida e caça-o novamente.

No âmbito deste tema, aqui vos transcrevo “Caçadas No Meu Quarto”, da autoria de Eduardo Montufar Barreiros, retirado do seu livro “Caça – Memento Venator”, datado de 1900, que, para além de integrar um valioso documento histórico, constitui uma pérola da literatura cinegética nacional e é um auxiliar importante para a compreensão deste texto.

“Meio surdo; meio cego – porque a tanto corresponde o só ver com o auxílio de vidros de diversos graus – e trôpego – porque assim se pode chamar a quem pouco mais faz do que palmilhar quotidianamente pelas ruas de Lisboa – vão-se-me fechando, para a caça, progressivamente, como o bicho-da-seda, os âmbitos materiais da existência.
Mas não tenho tristezas, porque, em compensação, alargam-se-me os âmbitos da fantasia. E quando escarrancho as lunetas no nariz, ou quando ainda me faço puxar pelo burro nas ladeiras pedregosas da minha Arrábida, gozo nesses momentos – em que esses artificiais meios me transportam iludido, temporariamente, á realidade – mais do que não gozei quando, ali, vivia por mais tempo, sem consciência com os meus verdadeiros olhos, e as minhas desajudadas pernas.
E lucra-se, dia a dia, em ser surdo.
Surdo, porém, cego e entrevado, de todo, que venha a estar, ainda espero continuar caçando… a sonhar, então Deus é grande!
Agora uns pássaros quaisquer pintados em papel, recortados e colados nas paredes, e nas vidraças do meu quarto, povoam-no da precisa caça para, sem sair dele, todas as manhãs eu cair numa poltrona, extenuado do sem número de tiros que disparo.
E não há só esses pássaros – que eu tenho de transformar, com a imaginação, ora na rápida perdiz que me foge através do ar, e da qual me parece até ouvir o estrepitar das asas, ora na silenciosa galinhola, que se esquiva por entre o arvoredo dumas aguarelas do Perez de Castro, ora, finalmente, em codornizes, que me saltam detrás das flores de uma jarra.
Não há só esses pássaros; tenho, em quadros, a bem desenhada caça morta de Traviés; os grauss, os coelhos, e as raposas de Ansdell; e até gansos e veados de Badmer: brutinhos, que, vistos no ponto da espingarda, todos me parece saírem dos quadros, ressuscitados, e em movimento.
E, mais ao vivo, possuo ainda, pregada na parede, a cabeça embalsamada de um veado que matei – a valer – e cujos olhos de vidro, mais imorredouros que os seus naturais foram, nem a verdadeiros tiros agora morreriam.
Mas, na força da fantasia, prescindo até de uns e outros, e crio, sem que existam de todo, coelhos e lebres, que, junto do rodapé, e por entre os pés dos móveis, ou por detrás das árvores de um biombo pintado por minha mulher, se me afiguram acudindo às tocas, através dos matos rasteiros, ou saltando e correndo, às furtas e às carreiras, por entre bosques e balseiras.
Todos este bichinhos eu fuzilo, com tiros, de imaginação ainda, pois nem sequer desfecho a arma para não estragar a fecharia. São tiros que não fazem bulha, a não ser quando os imito com a boca: pan! Pan!
E não fazem gasto de cartuchos, e, melhor que tudo, não custam sangue.
Activam a circulação do meu, e nesse higiénico atear da vida, em que me esforço para recuperar a que o decorrer do tempo me vai levando, acodem, vivas, as imagens remotas do meu passado, a povoarem ainda esses limitados espaços do meu quarto.
Pelas janelas vejo, na realidade, horizontes largos donde emergem algumas das mais saudosas. Tenho a meus pés o amplo Tejo, tantas vezes por mim cruzado nas boas e más monções que lá me levaram á caça. Diviso as colinas da outra banda, com a Trafaria – a dos juncais quentes de codornizes – ao cabo; e, mais longe, a esbater-se, e a tornar-se misteriosa já, aquela serra da Arrábida, tão minha, ainda hoje o meu encanto, e o derradeiro sítio em que talvez caçarei. Lá adivinho, na depressão da serra, Calhariz, com o palácio e as matas, sítios que ressuscitam em mim doces lembranças de decorridos tempos.
Mas os olhos do meu espírito devassam os outros horizontes que á vista se me escondem: os das minhas outras caçadas por todo o meu país, essas que aí ficam nestes contos.
Não sei porquê, na perdiz que rapidamente me foge entre o grande retrato da minha avó – um pastel de Belolli – e uma aguarela de sem nome, vejo aquela perdiz que na Azambuja chumbei na volta de um cabeço, e que, derreada, se afastou de mim sobre o curto mato – continuação daquele de que saltara – e depois, voou por cima das vinhas verdejantes do vale, por entre as árvores de fruto e as oliveiras que ma escondiam, diminuída já de volume pela distância, mal se vendo só por fim, pelo reflexo do sol nas luzentes penas, até desaparecer, caída num cerrado de pedras soltas.
E lembro-me, que ao abrir os olhos, que fechara para descansar a vista, via ao pé de mim o meu perdigueiro com ela já na boca!
O caso era fantástico; e o olhar risonho do meu cão até me parecia diabólico.
Pois se és caçador – tu que me lês – já o mesmo, de certo, te aconteceu, pouco mais ao menos: a perdiz que o cão me trazia á mão não era ela; era outra, que eu matara com o mesmo tiro que fizera àquela, e que eu nem sequer vira.
E os tiros dobrados que eu acerto, desforrando-me assim dos poucos que fiz a valer?
Destes, dos verdadeiros, conto só dez em toda a minha vida de caçador; mas o extraordinário é que, desses, seis foram, num só ano, ás perdizes. Eram estas, perdigotas; mas um tiro dobrado… sempre é um tiro dobrado: não perde o mérito por mais fácil que seja a caça. O desdobrar a vista, o calcular o tempo, para, com serenidade e firmeza, apontar e derrubar as duas peças saltadas simultaneamente, sempre é difícil. Falo de um tiro dobrado feito assim, porque muitos caçadores dão esse nome a dois tiros, logo que os disparem seguidos, embora a caça não salte a um tempo… e chamam-nos assim, mesmo quando os erram. Desses, disparei muitos.
Foi aquela meia dúzia em Sintra, num ano já remoto, em que eu contava em mim os anos de Cristo, e em que a vida me sorria feliz em tudo.
Mas voltemos aos não menos alegres, nem menos felizes tempos de hoje, e aos tiros dobrados do meu quarto, que acertam sempre.
Nem só aos pássaros ou aos quadros os aponto. Hoje emparelharam uns a touca da Irmã de caridade, de um carvão de Brion, com a cruz das minhas espadas de Chobert.
Foram dois tiros que ligaram, por acaso, sem eu querer, esses dois símbolos de paz e guerra; ambos de abnegação e sacrifício de vidas. As armas, porém, são laureadas na terra por glórias, que a Irmã só espera no céu. (Barreiros, Eduardo Montufar: 297 – 301)
Tranquilo, lanço também os olhos para as minhas outras companheiras, menos nobres mas para mim mais queridas, que, através do vidro claro de um esculpido móvel, me espreitam, aprumadas e em linha, resplandecentes de cuidados e brunidos. Se com elas também algum tiro menos leal disparei, aí fica nestes meus contos confessado e assim remido.
E, amigas minhas e ciumentas entre si, vejo-as acotovelarem-se para ser cada uma a preferida quando alguma procuro! E como sinto estremecer e vibrar nas minhas mãos a escolhida, e afagar-me quando a aconchego á cara!
Até as últimas – a Baker, comprada ao Sousa, e a Greener dada por El-Rei, duas gentis «hamerless», conhecidas de ontem, e que ainda não experimentei, e talvez jamais experimentarei á caça – como elas respondem em carícias aos meus afectos, e como procuram, rivais das antigas, levar-me a expulsa-las!
E conseguem-no. A minha outra Baker, e a Relley, de cães á vista, as duas, com que eu tanto atirara, lá foram repudiadas já para estranhas mãos! Nem lhes valeram os históricos pergaminhos, á primeira, de vencedora em Philadelphia, e, á segunda, de manejada por mãos imperiais e régias em Rambouillet.
Só me não desfiz, e isso lá seria não ter vergonha! Das presenteadas: duas Barellas, iguais, que os Duques de Palmela me trouxeram de Berlim, uma carabina tirolesa, de dois canos, que meu tio Bedmar me deixou, e outra, a Werder, que El-Rei D. Luiz me deu.
Todas trato com igual carinho sem excluir a Colt, mercenária e rude, com que na Arrábida atiro ao alvo e defendo a caça. Mas desconfio que seja a senilidade que me faça pender demais para as jovens e viçosas. Serei castigado; isso é de prever. Desenganadas de que não irão comigo á caça, serão elas que afinal de mim se desprenderão, talvez quando o meu coração delas mais precise!
Até lá, porém, hoje com uma, amanhã com outra, e, de quando em quando, com as velhas para as não escandalizar, continuarei, enquanto puder, iludindo-as, atirando com todas às perdizes e aos coelhos que simuladamente me esvoaçam e correm pelo quarto.
Faltam-me todavia nestas caçadas os cães, que me tornariam maior a ilusão. Das molduras espreitam-me um griffon e um basset, e, de cima da estante dos livros, dois perdigueiros de Méne, de bronze; mas, indiferentes á minha voz, não consigo que se movam. E o meu perdigueiro, o de carne e osso, o que tão fagueiro – até demais – acode a mim, e tão bem me entende, afastei-o eu, em benefício seu (e economia minha nas licenças), para as montanhas da sadia Arrábida.
Seguem-me próximos, porém, os olhos espantados da minha consorte, mais compassivos – pelo que ela chama, indulgentemente, a minha maluqueira – do que nunca seriam, por mais que o fossem, os do meu desterrado, o «Sadi».
15 de Agosto de 1900” (Barreiros, Eduardo Montufar: 303 – 304)

O troféu de caça é, deste modo, a recordação de um lance de caça memorável, o testemunho do enredo em que participaram e se envolveram profundamente, num determinado cenário, tanto o caçador como a presa.
Além do prémio que representa, traduz a veneração de um animal especial.
Através da sua contemplação o caçador regressa à caçada e recorda cada um dos intensos momentos que partilhou com aquele animal.
Relembra pormenorizadamente o quanto teve de se esforçar, a concentração que lhe dedicou, as qualidades do animal e as movimentações de ambos. Muitas vezes o perigo que enfrentou e a sorte que teve em regressar.
Sem a memória e a narrativa do caçador que o conquistou, o troféu de caça esvaziar-se-á de conteúdo e de nada valerá.
O troféu de caça representa não o animal em si, mas a memória que o caçador dele possui antes de o ter capturado e na qual ambos revivem através da sua inédita narrativa.

Bibliografia consultada:
Barreiros, Eduardo Montufar (1900). Caça - Memento Venator. A Liberal - Officina Typographica
Marvin, Garry (2010). Living With Dead Animals - Hunting. Wiley-Blackwell

Imagem ilustrativa:
Monet, Claude (1862). Trophée de chasse.

22 de novembro de 2010

Largueza

Da autoria de António Luiz Pacheco, Largueza, editado pela Chiado Editora, é um romance de aventuras e exploração, dividido em dois volumes e escrito numa perspectiva muito pessoal mas portuguesa, com o cunho ribatejano e rural que se poderia esperar.
Passa-se na segunda metade do século XIX, época conturbada, plena de grandes acontecimentos, quando se desenhou o que hoje vivemos!

No primeiro tomo, de 800 páginas, explica-se e apresenta-se o que se vai passar. A acção desenrola-se no Portugal rural do século XIX, parte no Ribatejo e parte em Lisboa, cosmopolita, com referências a outras regiões. Depois, passa para Goa, mais espiritual mas ainda palco de acção. Prossegue em Angola, dura e desmedida, em plena época de desbravamento e conquista. Duas terras que tanto nos marcaram quanto nós as elas. Nesta termina um ciclo e fica aberta a porta para o outro.
No segundo, de 530 páginas, há um compasso de espera em Portugal e sobretudo no Alto Alentejo onde acontecem coisas importantes e de onde se parte para a grande aventura da migração para os EUA, que também os portugueses marcaram!

Ambos nos falam de bons e maus sentimentos; prémio e castigo; amizade sem fronteiras; gastronomia e caça; touros e fado!
Guerra, lutas e morte; amor e burlesco.


O António Luiz Pacheco é Caçador, e dos rijos, mas que ele próprio se apresente:

Nasci em Janeiro de 1956, de famílias tradicionais, muito antigas, ricas em cultura, ligações, histórias e tradições. Fiz-me homem buscando ver e aprender coisas, sem perder de vista de onde vim nem esquecer as histórias que ouvi e aquilo a que fui assistindo nas muitas voltas e andanças da vida.
Compreendi que nos compete mais tarde ou mais cedo, fazer a ligação entre o passado e o presente como elos de uma cadeia: - A da vida!
Tendo crescido num período de grandes convulsões sociais, políticas e económicas, vivi sob a égide da mudança, sobretudo no campo e meio rural, quer por laços de família, como pelos estudos universitários e percurso profissional, tendo assistido ao fim de uma época e ao nascer de outra que aprendi na sebenta da cadeira de sociologia rural, ser a chamada moderna agricultura de especulação comercial que se seguiu à agricultura tradicional. Esta era a que faziam os nossos avós, sustentada e integrada, amiga do ambiente que na altura não tinha “inimigos”… estes uma invenção moderna!
Esta transição provocou mais do que mudanças económicas grandes alterações na forma de estar e de fazer, das pessoas do campo que eu ainda ouvi em histórias ou mesmo assisti. Li à luz do petróleo e da vela; andei de carro de bois e vi lavrar com eles! Pisei uvas nos patamares; vi varejar azeitona, gadanhar e fazer cestos; assisti aos trabalhos da eira, ás descamisadas, a malhar e ao joeirar. Lembro com saudade os ranchos! Paralelamente, cacei no terreno livre e em África, tremi com o levantar das perdizes como de elefantes; mergulhei atrás dos peixes em três oceanos, em sítios virgens! Dormi no chão e ao relento, húmido de cacimbo, com o zumbido dos mosquitos e o rugir do leão; comi farinha e peixe ou carne seca, bebi água de charcas, poços e rios. Tive cães, muitos e de toda a qualidade! Conheci gente dura de vidas muito duras, privei com selvagens e senhores; sofri carga de búfalo, fui empurrado por tubarão, tive o queixo cozido com 11 pontos na praça de toiros de Évora. Fui até emigrante… mas voltei sempre à minha casa, onde nasci e à minha gente.
Digo que sou um caçador e viajante, trabalhando apenas para o poder fazer.
Tenho sentido orgulho em ser Português: da Universidade de Cornell às praias do Índico; das reuniões internacionais às inóspitas ilhas das Caraíbas; pelas feiras profissionais do Mundo; das costas desérticas da América do Sul às angras do Brasil; do sertão de Angola às matas frondosas de Moçambique; Nas pescarias perdidas no Atlântico Sul como nas sofisticadas ilhas do Mediterrâneo!
Tive o privilégio de percorrer o meu país! Negociei, cacei e pesquei por todo o Portugal, de lés a lés! Vi as paisagens, aspirei os ares das serras, das planícies, das ilhas e do mar, bebi vinhos e comi de tudo! Ouvi histórias e vi coisas por toda a parte…
Gosto de ser português, gosto do meu país e do meu povo! Concluí ao fim de mais de 50 anos… Aprendi que ser português, mais do que ter uma nacionalidade e falar uma língua é uma forma de estar no Mundo e entre os homens.
Sou hoje e face aos que me sucedem, filhos, sobrinhos e já sobrinho-netos, uma espécie de guardião das coisas que vi e aprendi, que não podemos esquecer nem deixar perder, porque saber viver no campo foi uma ciência que levou milénios a compor, que de repente os académicos e cientistas - que se enganam muitas vezes e mudam de opinião constantemente -, vieram ensinar nas universidades era o contrário! Por quatro décadas implementaram outras ciências que deram políticas do ambiente e agrícolas, de que se fizeram extensão rural e criaram “cadernos de encargos”, e afinal… viver no campo é o que era e nunca devia ter sido mudado pelas modernas políticas, insensatas, apressadas e imaturas, ditadas por uma ânsia de modernismo de um fascismo urbano-consumista que tudo pretende controlar e moldar à sua imagem e necessidades.
A quem assistiu ao fim daquilo que foram os tempos antigos e tradicionais, compete contar como era, ainda memória viva daquilo que nos identifica e fez de nós um povo, com história, língua e hábitos próprios.
Hoje pretendem-se retomar algumas das coisas perdidas, porque afinal o liberalismo faliu e deixou a todos que o seguiram sem referências, perdidos a humanidade e o bom-viver, afinal a felicidade que a tradição preserva. Fala-se em agricultura “biològica” (acaso ela foi mineral ou metálica?) quando se deveria reaprender sim a tradicional, a dos nossos avós, sustentável, feita com a infinita sabedoria de milénios de vida campesina, sã e integrada na Natureza que aos poucos se foi moldando e pondo a favor, adaptada a ela e não contra ela.
É-se anti-caça, anti-festa brava, pelos direitos dos animais e “ecologista”, afinal mais provas da imensa ignorância e da intolerância que se instalou e foi o verdadeiro flagelo do século XX, fazendo dele o século das maiores devastações da história e dos mais clamorosos crimes, contra a humanidade ou a Terra, em nome da modernidade e do desenvolvimento ou de ideais!
Somos republicanos por imposição e pela força, assentes num assassínio e em falsos pressupostos de igualdades e liberdade. Apenas a canalha política continua a mesma!
A nossa identidade para ser preservada, não pode ser guardada nos meios multimédia e sim na plenitude dos sentidos, como herança humana. E tem de ser praticada!
Este livro pretende exaltar a condição de ser Português, recordar pessoas, costumes e tempos passados mas recentes, heróicos, e deixá-los para os meus. Mas é sobretudo, dedicado e uma homenagem ao nosso povo, à gente brava, valente e corajosa, sacrificada e empreendedora… numa palavra: generosa, que se estendeu pelo Mundo, estabeleceu a Pátria da Língua Portuguesa e a quem os políticos sempre atraiçoaram!
Aos Portugueses, à minha gente, que reencontremos o orgulho e a alegria de ser aquilo que somos e não nos deixemos cair na tristeza de ser aquilo que querem fazer de nós!

O livro pode ser adquirido directamente ao autor, através do seu endereço pessoal: alpacheco.quinta@iol.pt

13 de novembro de 2010

Coruja-do-Nabal

Observação extraordinária!
Foi assim que Carlos Pereira, autor do maravilhoso livro "Aves dos Açores" descreveu o avistamento da Coruja-do-nabal na Ilha de Santa Maria.

Foi anteontem, no final da tarde, em local que não irei mencionar - da Ilha de Santa Maria, na companhia do Victor Carreiro - Caçador, e do Jaime Bairos - Vigilante da Natureza, que consegui tirar a fotografia que ilustra este texto, tendo sido precisamente o Victor Carreiro que detectou a presença desta misteriosa ave, no Domingo passado, quando regressava de mais uma jornada de caça.

Assim que obtive a fotografia, enviei-a imediatamente ao Carlos Pereira para que a pudesse identificar.
Na realidade, para além desta, foram avistadas mais seis, e trata-se, como mencionado, duma Coruja-do-nabal (Asio flammeus), ave - rara - invernante nos Açores.
Já foi observada na Ilha de São Miguel, no Faial, no Pico e, no mês passado, na Ilha Terceira.
São relativamente parecidos com os Mochos dos Açores (Asio otus), mas mais claros, mais corpulentos e com os olhos amarelos (o Asio otus tem os olhos alaranjados).

Dado o interesse da notícia foi informado o Staffan Rodebrand, do BirdingAzores.

A título de curiosidade, duas semanas antes desta observação, o Víctor Carreiro detectou e conseguiu capturar uma coruja da mesma espécie que estava ferida, tendo-a entregue, no mesmo dia, ao Jaime Bairos, que a enviou para a Ilha das Flores a fim de receber tratamento para, depois de recuperada, poder ser devolvida à liberdade. Porém, devido ao adiantado estado da infecção a ave acabou por sucumbir nesse percurso.
Apesar do resultado, não deixou de configurar este acto, por parte do Víctor Carreiro - um Caçador, um comportamento muito nobre, que deve ser enaltecido e seguido por todos.
E mencionou o actual presidente de uma associação dita ecológica, de nome Sérgio Diogo Caetano, em 10/12/2009, que não entende a caça como sendo "filosoficamente compatível com a conservação da natureza"!...

Notas:
- Toda a informação aqui exposta, relativa à ave, foi cedida pelo Carlos Pereira.
- Um agradecimento especial ao Victor Carreiro pela partilha de informação e pela extrema amabilidade em guiar-nos ao local.

8 de novembro de 2010

Caça - Memento Venator

Aqui vos venho apresentar um excerto, intitulado "Lebres e Coelhos", retirado do livro “Caça – Memento, Venator”, de 315 páginas, da autoria de Eduardo Montufar Barreiros, editado pel’ A Liberal – Officina typographica, obra esta datada do distante ano de 1900.
Fala-nos todo este extracto sobre a caça às lebres e aos coelhos, sem deixar de ser uma crónica, mas acima de tudo uma recordação muito pessoal deste nobre homem.
Optei por transcrever somente as partes que dizem respeito ao coelho em detrimento das restantes, pelo que vos suplico o perdão. Umas das razões que a isso me levou foi por ser esta, a par da caça aos patos, a que mais me fascina, enquanto o outro motivo adveio do cansaço que me provocou reproduzir vocábulos desusados.
Convém relembrar-vos que se trata de um texto com cento e dez anos de idade, pelo que irão, por certo, admirar a virtuosa forma de expressão e também estranhar a envelhecida arte da escrita.



"Lebres e Coelhos

Não posso – na qualidade de caçador, se entende – fallar com sympathia d’estes bichos, que na caça, nunca tomei a sério, apesar de não os considerar indignos de um tiro – honra que elles, de certo, dispensariam receber de mim.
Bem sei que entram no numero dos animaes bravios que, perante a lei, dão fóros de caçador a quem os persegue e apprehende; como sei também não ser desprovido de arte o modo de os apanhar.
E não são de poucos os recursos e artificios com que a natureza dotou esses animaesinhos, para se defenderem dos meios de ataque de que ella propria armou os que os perseguem. Contradicção, apparente de certo, e necessaria para a harmonia eterna, com que ella realmente vae ceifando a vida a todos.
Fel’os de ardende sangue, para que o amor – essa felicidade principal dos infimos – os tornasse prolificos; mas aos doze e quinze filhos, que permitiu á lebre ter, por anno (obrigando-a a ser mãe em cada um dos mezes que decorrem de fevereiro a novembro), oppôz, por inimigos todos os animaes carnivoros das florestas e dos ares, e, a mais, o homem; inimigos a que deu o prazer de os caçar – sem distincção de serem filhos ou pães – e a necessidade de os comer – tenrinhos ou durazios. Até os coelhos, que o homem classifica da mesma familia da lebre, perseguem e expulsa esta da sua companhia, e a força a uma vida toda de sustos, errante, em que tem por único abrigo a cama ao ar livre, onde se acoita de dia, vagueando, para o sustento e para os amores, só de noite.
Dos coelhos, fez ainda a natureza, com a fecundidade de que os dotou para conservação da especie, o flagello da humanidade a destruir-lhe as searas: e, dando esta para alimento commum de ambas as especies, obrigou o homem a usar contra elles de todos os meios que lhe suggere ainda para os destruir!
Deu a natureza, á lebre e aos coelhos, côr egual á da terra, para assim melhor se esconderem dos perigos; mas não impediu que o fumegar do corpo, vendo-se sobre as moitas, facilmente os denuncie deitados; e deixou-lhes na pellagem um ponto branco, que serve de guia, quando fugidos, aos que os perseguem.
(...)
Aos coelhos, na cultura do tal instincto, permitiu que se acobertassem em tocas sob a terra, para – melhor do que a lebre – se defenderem, a si e aos seus, mas, nas regiões em que os faz nascer, egualmente nasce a gineta, que ali os mata, e tambem o furão, que n’essas tocas, para si e para o homem, os colhe.
Que resta, pois, para se defenderem, a esses brutinhos, a quem a natureza negou até alcance na vista, concedendo-lhes apenas a vantagem de vêr melhor de noite que de dia? Umas compridas orelhas, movediças, e que, semelhantes as cornetas acusticas, ouvem – para seu martyrio – os mais imperceptiveis sons; e um fino olfacto com que nas movediças ventas haurem os mais tenues cheiros; sentidos que os armam… só para a fuga.
(...)
Os coelhos, sem recursos eguaes aos da lebre para a fuga na carreira, mas mais atilados, esquivam-se em enoveladas e rapidas furtas, muitas vezes com vantagem, aos podengos e aos tiros; e, philosophos, recebem, quando colhidos, mais resignados do que ella, o chumbo ou o golpe fatal atraz das orelhas, que, apesar de brando, tão rapidamente lhes extingue a vida.
Tem arte, na realidade, o caçador que, sabendo das forças e fraquezas d’estes bichos, e dos seus usos e costumes, os procura na estação ou no sitio proprios para a caçada lhe ser propicia.
(...)
E, aos coelhos, não será tambem arte o dirigir a matilha dos esfomeados podengos, a conterem os impetos da paixão e do estomago, e a obedecerem ao caçador, que, ao aceno e á voz, ora os retem na moderada e cuidadosa busca, ora os arrebata na vertiginosa corrida atraz da victima?
E não é arte, senão astucia, descobrir o bicheiro entre a espessa moita o coelho na cama, onde nem os raios X o fariam vêr, e despedir-lhe, na rapida furta, o pau que o deixa morto, ou o chumbo que, a corta-matto, o põe inerte, sem ele vêr o bicho?
E as bem dirigidas batidas, a salto, em cordão com as pontas avançadas, silenciosas, fuzilando mechanicamente e disciplinadas os orelhudos de qualquer especie que levantam? e as de espera com vozearia trazendo ás caladas e immoveis portas as incautas lebres? e as feitas aos coelhos, com gritos, batendo as moitas de que fogem, sorrateiros, para traz indo lançar-se nas portas falsas? todas estas batidas não revelam saber, dextreza e arte?
E é arte ainda, mas de outra especie, esperar silencioso e quieto, nas clareiras, á luz da lua ou pelo alvor da manhã, as lebres e os coelhos no seu pasto; ou durante escura noite, se ao candeio accodem, fuzilar – aquellas ou estes – de peito, quando, sentados, com as patas dianteiras levantadas, olham, curiosos, para o facho, sem nos verem. Nem deixa de ser tambem arte o imitar a voz dos coelhos, com o chio que os faz parar ou attrae á boca do covil para os matar a tiro; ou metter o furão ás covas, acompanhando, á escuta, o guiso que leva ao pescoço para saber da subterranea lucta, que deve trazer á rêde a perseguida victima.
Assim é; (...)
Mais outra vez o relembrar decorridos tempos me vem mostrar o meu estado de alma de hoje em relação ao de então; e a maior piedade, agora, pelas victimas, e o espectaculo mais vivo das bellezas do passado, invadem-me tão doce e intensamente o coração, e o espirito, que, não mais longe do que os momentos que tenho gasto em narrar este conto, já se me apresenta a caça das lebres e dos coelhos mais sympathica."

De referir que os podengos eram utilizados na caça ao coelho e à lebre, sobretudo, pela classe popular, desprovida dos bens e do conforto das mais abastadas, pelo que é por essa razão que o autor a eles se refere como esfomeados.

Trata-se este de um dos mais belos livros que tenho a felicidade de desfrutar, a par de outros que tenho vindo, por aqui e convosco, compartilhando.

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