18 de dezembro de 2011

Caça – Pureza Sublime

É o título do primeiro livro de Miguel Pereira, de quem António Luiz Pacheco diz ser um Caçador Tomarense, originário de uma cidade pequena, mas berço de alguns dos grandes! E acrescenta: Nascido, criado, feito Homem e Caçador no Grupo de Caça dos Pereiras, sob a batuta do capitão Pereira e ao lado do mano António, com a ajuda de outros comparsas tão marcantes como o “Perdido”.
Foi menino, sonhou com caça, caçadores e caçadas, imaginando desde logo aquilo que queria um dia perseguir. As sensações sublimes da caça!
Aprendeu que caçar é ter as pernas doridas e cheias de picos de tojo, braços arranhados das silvas, pés moídos e o corpo encharcado do suor ou da chuva… que se ignora frio, calor ou cansaço, fome e sede, que não há matos impenetráveis, barrancos que não se pulem nem ladeiras que não se galguem!
Que um dia é da caça e outro do caçador… e esta é para perseguir e amar, matá-la é uma consequência e faz parte do jogo da vida e da morte! Mas que depois se come em partilha velha como o Mundo, pelo meio de histórias, na alegria sã entre Homens que comungam dos mesmos gostos pela liberdade e pelo campo.
Que na caça se mostra o melhor de cada um e isso se deve cultivar como uma religião, com o mesmo respeito e cerimónia.
Que as armas são capazes de ganhar alma… e os cães esses a têm por certo bem mais do que muita gente.
Os amigos são para sempre! E a família é como que a nossa matilha…
Do que foi vivendo e ouvindo, juntou tudo, e, com a sensibilidade sublime de caçador criou esta obra, talvez menos literária mas certamente de carisma e alma cinegética…
Assim é ser Caçador, assim é ser-se um Pereira!
Esteja ele onde estiver, cace onde e com quem caçar… até no papel! Fim de citação.

Começar a Caçar

É na verdade um processo apaixonante que dura eternamente sempre que qualquer caçador reencontra os terrenos da sua predilecção para mais uma jornada. Graças aos Céus que terrenos da nossa predilecção temos muitos neste cantinho à beira-mar plantado. Mesmo os caçadores com 40 ou 50 anos de caça continuam a aprender e ser confrontados com novas descobertas – faz parte da tal magia que se fala incessantemente entre os devotos de Santo Huberto. Não exige estudo especial, é algo relativamente conhecido e quando não é inato adquire-se pela convivência e prática.
Fora da convivência e prática o aspirante a caçador deve procurar ler o mais possível sobre o tema e ir formando a sua biblioteca de caça. Há livros e autores que não podem lá faltar. No meu modesto entendimento são fundamentais: “Sal ironias e gabarolices” e “O perdigueiro português” do Padre Domingos Barroso, “A propósito de caça” de João Maria Bravo, “A técnica do tiro de caça a chumbo” e “Caça… uma saudade” do Coronel Júlio de Araújo Ferreira, ou até “Bichos” de Miguel Torga. Momentos inolvidáveis esperam os jovens Confrades que os queiram ler, não darão o seu tempo por mal empregue. Alguns destes livros já custam a encontrar, relatam muitas vivências do período de ouro da caça em Portugal, o tempo não passa por cima dos seus grandes ensinamentos.
Mas sem dúvida que o mais importante destes livros é darem a conhecer a perspectiva do caçador verdadeiro, genuíno, sem sofreguidão naquilo que faz, desportista, respeitador. Neles se aprende o sentido, a coerência, a magia, a beleza e a dignidade do acto. São deliciosos os bocadinhos em que se lêem, a forma como facilmente o leitor se identifica com o que vale a pena na caça, mas também no que deve a evitar a todo o custo.
É essencial ao debutante que se inicia na caça, controlar os seus nervos e permanecer imune ao pior dos contágios: A ambição e a inveja. A irritação que floresce a partir da inveja conduz aos grandes fracassos e a uma neurose doentia. Esta combinação traz, em regra, grandes males e complexos. Pretender imitar os Mestres muito antes de aceitar qualquer desafio ou competição não é uma fraqueza, antes um sinal de inteligência para auferir mais rapidamente dos seus sábios ensinamentos e prática.
Um pormenor não menos importante na caça de salto – a regra de caçar a sós sempre que possível. Homem e cão não serão dominados pela ambição, haverá harmonia e o resultado da jornada, ainda que parco, não será desanimador por inexistência de termos de comparação.
Quando ainda estamos a aprender o básico não faz sentido a pretensão de apresentar números de abates ou grande nível nos lances. Sabemos que existem sempre alguns predestinados por aí perdidos, mas esses serão sempre a excepção e não a regra, mas até eles precisam de tempo para se fazerem verdadeiramente.
Daí que recomende vivamente a quem está a começar para não se deixar arrastar para as grandes confusões onde se aglomeram muitos caçadores como passagens de tordos, pombos ou nas largadas de perdizes e faisões. Nesses ambientes aprendem-se, e adquirem-se, alguns dos piores vícios da caça dos nossos dias: A soberba do número, o desleixo pela caça e pelo meio ambiente, a bazófia parola em tudo o que se diz para impressionar os pares, muita falsidade, e, de uma forma geral, pouco bom senso. Não tenha o jovem Confrade muita pressa em começar a dar muitos tiros, para isso tem os stands e campos de tiro.
São estes os palcos privilegiados onde também se inventam os maiores disparates no que diz respeito às capacidades de cartuchos e das armas. Algumas destas modas, quando bem vendidas por quem o costuma fazer, induzem mesmo o caçador menos experiente a comportamentos de risco completamente inaceitáveis, quase sempre porque se quer gozar a caça sem se reflectir nas suas consequências. Depois com facilidade se verifica quase como que uma histeria colectiva na escalada para determinadas barbaridades.
Ao debutante não devem causar irritação os tiros errados nas primeiras saídas ao terreno de caça. Este é um aspecto primordial na educação desportiva do caçador. Só os caçadores medíocres, invejosos e insensatos, censuram os erros dos seus companheiros e os comentam inconvenientemente em frente de estranhos. Com isso apenas abalam a sua reputação de homens educados e jamais conseguirão encobrir a sua natural falta de habilidade e insegurança, os principais motivos dos seus comentários desagradáveis e complexos.
Há legitimidade em questionar um companheiro sobre uma peça atirada simultaneamente ainda que tenhamos plena convicção que a abatemos? Não poderia o companheiro, eventualmente um atirador teoricamente menos dotado, ter feito daquela ocasião melhor trabalho que nós? Ir pesquisar na peça abatida se a chumbada está do lado esquerdo ou direito, por detrás ou pela frente, não será problemático, mas igualmente infantil e até absurdo?
Como tão bem diz, e exemplifica, o Confrade Manuel Mucharreira em “Cartucheira de recordações” - «Muitas vezes penso no tempo dos “atrasados”… Quando dois “patetas” atiravam em simultâneo à mesma perdiz e ficavam calmos, sem nenhum deles gritar: “É minha”».
Actualmente existe alguma preocupação em atrair mais jovens caçadores ao mundo da caça e quais os melhores incentivos para o conseguir. Os caçadores jovens simbolizam uma herança e um futuro. Na minha opinião um dos melhores incentivos que se poderia dar para aparecimento de jovens caçadores seria desligar o “botão do complicómetro” no acesso á documentação legal para alguém se poder tornar caçador. Libertar todo o processo legal da dificuldade e dos irritantes prazos dilatados de execução era um passo em frente para trazer mais jovens à caça.
Também se aponta invariavelmente o preço das armas como outro desincentivo. Não considero os preços das armas muito elevados, as taxas das licenças de uso e porte de armas, as licenças de caça e os seguros de caça é que se estão incomparavelmente a tornar mais caros. Quando olho para o que uma arma (nova) hoje traz consigo, em termos de tecnologia e provas de banco, percebe-se facilmente que, comparativamente há 15/20 anos atrás estamos a pagar menos por uma arma e que a fiabilidade das armas, de uma forma geral, aumentou consideravelmente, bem como as suas performances – e não é preciso ir para modelos muito elaborados para o notar. Mas há algo que se alterou substancialmente na forma de começar a lidar com armas nos jovens de hoje. No meu tempo de debutante da caça começávamos a caçar sempre com pequenos calibres antes de passarmos para o calibre 12.
Hoje começa-se logo com a de calibre 12, pessoalmente considero a calibre 12 “um canhão”. Não precisamos de tanta potência de fogo (com os anos talvez se venha a perceber melhor esta minha posição). Deve-se começar primeiro com uma arma barata e com poucas prestações, antes de passar para os “canhões”, se se quer aprender a sério.
A redução do valor das quotas pagas pelos jovens caçadores nas zonas de caça associativas e municipais, também daria uma ajuda, mas este teria de ser um esforço colectivo e unanimemente cumprido sem excepções.
Outra forma de incentivar os jovens para a caça passa também por termos mais jovens com condições para ter cães em sua casa e usufruírem da sua companhia. O debutante deve também aprender como ensinar o seu cão a caçar e no início vai certamente deparar-se com algumas dificuldades em conter os cães novos de algumas raças. Alguns exemplos, os Pointers, Bracos e Setters são autênticos cavalos de corrida no primeiro ano. Nas ocasiões em que eles façam esses arranques há que os fazer parar. Fazê-lo de uma forma autoritária, mas sem agressividade. Caso contrário o cão ficará confuso e tudo se complica ainda mais. Após conseguir pará-los é fundamental fazer-lhes festas, dar-lhes mimos. Isto não pode acontecer algumas vezes, tem de acontecer sempre – é um processo de persistência, até o cão perceber.
Caso ele persista obstinadamente no mesmo comportamento então nalguns dias há que lhe aplicar um correctivo para perceber que quem manda é o caçador e que a disciplina é uma coisa muito bonita se efectivamente querem os dois “trabalhar juntos e fazer uma equipa”. Os correctivos devem ser aplicados com muito aparato e pouca dor. A sugestão e o receio de não tornar aumentam mais assim. Um ramo com muita folhagem ou o velho pedaço de jornal enrolado costuma fazer muito bem nestes casos. Isto é para aplicar na caça e fora dela, todos os dias.
Sobre as coleiras eléctricas desaconselho. São para cães de mau temperamento e índole. Foram desenvolvidas essencialmente para controlar cães nos campos de treino em muitas coisas que não propriamente caçar. Um cão de caça é demasiado meigo, sensível e inteligente para o submetermos a isso. Nunca coloquei uma coleira destas nos meus cães. O tempo e a paciência ainda são, nos cães como na caça, duas variáveis imprescindíveis para corrigir e apreciar o que quer que seja, não se deve forçar se podemos fazer as coisas a bem.
Vamos agora à parte mais desagradável do processo. Começar a parar os cães jovens e imaturos, pode implicar que o caçador tenha mesmo de largar a espingarda para ir apanhar o cão, prejudicando muitos lances nos dias de caça. Mas é um investimento que se deve fazer quando se gosta do nosso cão e se o queremos “recuperar”. Naqueles dias em que o parceiro do lado atira e o Confrade tem de segurar o animal, deixando passar sem atirar às perdizes e a alguma lebre que foram direitinhas a si, custa um bocado. Aconselha-se, nesta fase da correcção do animal, a que o jovem debutante se coloque numa das pontas do grupo para prejudicar ao mínimo a jornada de caça. Muitas vezes terá necessidade de parar, enquanto os outros prosseguem e conter o animal também será mais fácil se ele deixar de ter contacto visual com as outras pessoas e cães. Com tudo “normalizado” o Confrade rapidamente se volta a juntar ao grupo um pouco mais à frente.
Daqui para a frente há que procurar estar muito mais vezes com o cão. O período do defeso deve, verdadeiramente, ser aproveitado para isso, com a vantagem de a parelha passar a estar mais vezes a sós um com o outro. Aí vai verdadeiramente construir-se a relação de cumplicidade total com o cão. Nessa altura deve também fazer-se a “apresentação formal” do cão às codornizes (a espécie cinegética de excelência para ensinar um cão de parar a caçar). Irá verificar-se que no início da época de caça, o animal está muito mais controlado, e ele no seu processo natural de crescimento vai também começando a ter mais maturidade. Pessoalmente considero que a generalidade dos cães alcança essa maturidade a partir dos dois anos e, aí, é que muitas coisas começam realmente a ficar interessantes para a parelha, também é verdade que as cadelas costumam ser um pouco mais precoces nisso comparativamente aos cães.
Outro grande incentivo para qualquer iniciado na caça é a possibilidade e sorte de conhecer e poder beneficiar da companhia de um Mestre Caçador – um mentor. Os Mestres Caçadores são indivíduos especiais, que no início custam sempre a conquistar, mas quando percebem que há fogo sagrado nas intenções dos jovens aspirantes a caçador ajudam como mais ninguém.
Por último mas não menos importante, era desejável que mais jovens tivessem a possibilidade de poder viver no campo em vez de na cidade. Nos dias de hoje é muito difícil inverter esta tendência porque o mundo é como é. Mas o contacto permanente com o campo desde a infância, passando pela adolescência, é o melhor dos incentivos para atrair jovens para o mundo da caça.

Pereira, Miguel (2011). Caça - Pureza Sublime (pág. 58 a 61).

Trata-se de um livro de 2011, proveniente de uma edição de autor com 300 exemplares, impressos que foram na Tipomar, Lda – Tomar, apresentando capa e gravuras por Alexandre Fernandes.
Nas suas 268 páginas somos confrontados com uma forma moderna e actual de pensar e viver a caça, repleta de conteúdo, personalidade e autenticidade.

Para mais informações: mpereira.inysq@gmail.com

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