5 de março de 2010

A Caça no Império Português

Trata-se de uma obra fenomenal, da mais emblemática sobre caça em Portugal (continental, insular e ex-colónias ultramarinas).

A Caça no Império Português, foi editada pelo jornal "O Primeiro de Janeiro" - do Porto, iniciada que foi a sua publicação em fascículos, corria o ano de 1943, acabando-se a sua impressão em Fevereiro de 1945, nas Gráficas da Neogravura, Limitada, em Lisboa.

São dois volumes, contando o I - 317 e o II - 639 páginas que se apresentam profusamente ilustradas com fotografias da mais diversa fauna bravia, desenhos, reproduções de quadros e de pinturas especialmente feitas para esta obra, algumas delas do pintor angolano Neves e Sousa.

No Tomo II, podemos encontrar a seguinte distinção entre "atirador" e "caçador":

"... a qualidade do atirador depende essencialmente da sua habilidade e da maneira mais ou menos aperfeiçoada como a cultiva; a qualidade do caçador é condicionada pelos recursos físicos, a experiência e o saber.
Conhecemos um exemplo que ilustra com muita clareza esta distinção de qualidades - aliás complementares, como dissemos.
O caso passou-se há alguns anos, quando o uso do automóvel para digressões de caça não estava ainda tão generalizado como hoje.
Certo caçador da colónia inglesa que habita o nosso país, e muito conhecido em Lisboa, apreciava especialmente a caça às galinholas - essas aves sombrias dos países enevoados e tão comum nalgumas regiões da Inglaterra.
Fazia as suas caçadas, habitualmente, nos pinhais da «outra banda» do Tejo, e acompanhavam-no os seus «pointers», cuidadosamente instruídos - verdadeiros cães de um verdadeiro caçador.
Num ano pobre de galinholas, isto é, num ano de escassa imigração - o que, como se sabe, não é raro - nem por isso esmoreceu o entusiasmo do caçador nem a sua fidelidade aos pinhais em que se acostumara caçar.
Todos os domingos desembarcava na outra margem do Tejo, com a espingarda e os cães, e por lá se gastava todo o santo dia.
E como o ano era ingrato para galinholas, como dissemos, e os caçadores já o sabiam, , nenhum outro senão êle se via a correr aquêles pinhais - a ponto do caso começar a intrigar tôda a gente. Tanta persistência parecia história - e tanto mais, quanto era certo que o nosso homem regressava sempre com o cinto tão leve como o tinha levado. Nem uma galinhola!
Tiros também não se ouviam no pinhal - e um ou outro que lhe espreitava a cartucheira não dava por munições consumidas! Preguntava-se:
- Se está provado que as galinholas escassearam êste ano, se, por isso, ninguém se dá ao trabalho de as ir procurar - e se, finalmente, o homem não traz caça nem dá tiros, que vai êle lá fazer todos os domingos?
Nesse tempo, felizmente, não havia razões para se imaginar ou tecer uma história de espionagem - porque se as houvesse o bom do inglês não teria escapado.
Aconteceu, porém, que certo dia um outro caçador, talvez mais curioso de saber o que o inglês fazia do que desejoso de encontrar galinholas, o bispou nos pinhais e o seguiu de longe - interessado, dizia êle, por admirar o trabalho dos magníficos «pointers». E assistiu a manobras que não havia maneira de compreender. O inglês, atrás dos seus cães, seguia interessadíssimo o seu trabalho, tão atento, cuidadoso e exemplar em todos os movimentos, como se caçasse em ano farto de galinholas. Em certa altura, e depois de uma busca magistralmente conduzida, um dos «pointers» «pára» impecàvelmente, espera o dono com todos os preceitos da arte e, por fim, levanta uma galinhola. O inglês mete a arma à cara, aponta, segue a ave no ponto de mira... e a galinhola desaparece entre os pinheiros, sem ser atirada.
Supôs o caçador que o seguia que tivesse havido precalço e que, por qualquer motivo inesperado, o inglês não pudesse ter disparado.
Continuou a segui-lo.
Os cães tornaram a procurar, realizaram novas e magníficas buscas e, algum tempo depois, eis outra vez um dos «pointers» parado, o dono atento e firme, a galinhola levantada, e espingarda apontada... e nada mais. A ave apagara-se nòvamente, nos seus zig-zags típicos, através das ramadas dos pinheiros.
E a manobra recomeçou - até que, repetindo-se a mesma cena, o caçador intrigado, resolveu aproveitar, em benefício próprio, os levantes provocados pelos cães do inglês, e apanhando a galinhola de feição, tombou-a.
O inglês assistiu impassìvelmente à queda da ave e chamou os cães. O outro, julgando-se na obrigação de lhe explicar a sua intervenção e defender o seu direito de abater uma galinhola que lhe passara a alcance de tiro, dirigiu-se ao inglês que, ainda por cima, se encaminhava para a estrada, mostrando visìvelmente dar a caçada por concluída.
Mas o inglês não estava melindrado nem ofendido. Que compreendia perfeitamente; estava no seu direito. Apenas lamentava que aquêle tiro tivesse vindo roubar a ambos a possibilidade de tornarem a caçar naquêle pinhal.
- ?!!
E explicou então por sua vez:
- É muito simples. Êste ano há poucas galinholas. Esta era a única em tôdo êste pinhal. Há meses que a descobri e todos os domingos aqui venho para a caçar, sem a matar - só para gozar com o prazer de a encontrar e a satisfação de ver trabalhar os cães. Se a matasse, - como era a única - perdia a possibilidade de caçar. E por isso não lhe atirava.
O senhor hoje matou-a. Não há mais nada a fazer. Acabaram por êste ano as caçadas às galinholas neste pinhal. E como acabaram... vou-me embora.
Fez um cumprimento amável e lá se foi, a caminho de Lisboa, com a sua espingarda, os seus «pointers» e o seu cinto vasio.
Ninguém mais o tornou a ver, durante êsse inverno, a caminho do pinhal."

Os autores concluem do seguinte modo: "...é mais fácil atirar bem do que caçar bem. E quem não caçar bem reduz o desporto da caça na Metrópole, a simples matança.
Temos pois de pugnar pelo aumento do número de caçadores entre a massa dos nossos atiradores - alguns, aliás, admiráveis. E êsse número só aumentará se os preconceitos individuais e a formação superficial de uma experiência, derem lugar à observação objectiva dos fenómenos e ao estudo de regras, com sólidas bases numa luta leal entre bicho e homem."

Dizia eu que a mensagem desta magnífica obra literária mantém toda a sua actualidade, apesar de ter sido concebida há 65 anos por Henrique Galvão, Freitas Cruz e António Montêz...

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