16 de novembro de 2012

Um Rebeco nas Astúrias - O relato que faltava

Parece-me que está tudo pronto…
… a minha “menina”, que era para não ir, mas afinal vai, as respectivas munições e os binóculos e o bordão que já ali estão…
... umas botas de borracha e
outras que não são…
… roupa para o que der e vier, penso eu…

… pão bom, pão com linguiça, bolos de torresmos, queijo, uma salada de ovas, umas bolachas manhosas, vinho, fruta e água … e uns pêros…

A minha cara-metade nem reclamou para me emprestar a sua viatura, que diz que tem combustível para 600 km, vou ter que lhe dar mais ainda…

Às 6h30 de amanhã vou rumar a norte e pôr-me a caminho de mais uma grande aventura…
Antes das 6h30, estava a caminho das Astúrias. Como é costume, sempre a pensar na caça e fiz uma excelente viagem. Nunca fui caçador de pombos, mas chamou-me à atenção umas gafas de torcazes que vi entre Alvalade e Alcácer do Sal.
Fiz uma paragem na área de serviço de Leiria para beber um cafezinho e não chegar demasiado cedo á Mealhada.
Ainda não eram 10 horas … estava á porta do Nelson, cheguei um pouco antes dele.
Não demorando nada, estávamos na estrada para o percurso final. Fizemos uma paragem já em Espanha, depois de Chaves, para meter gasóleo e continuamos falando de caça. Fomos mastigando uns biscoitos que o Nelson se lembrou de comprar e que me souberam lindamente e acabaram por adiar o almoço mais um pouco.
Quando encontrámos uma área de serviço que nos agradou (em Espanha não é fácil), fizemos mais uma pausa para comer um bucha, que os biscoitos, já eram.
Nova viagem até ao destino final, Campo de Caso.
Após um pequeno túnel, eis que surge uma rotunda e lá está a povoação de Campo de Caso.
Parei e fiz questão de tirar as primeiras fotos….
Não demorando nada estávamos no hotel, muito bom por sinal.
Bagagens arrumadas e viemos para o bar, que funcionou um pouco como quartel-general.
Antes do jantar apareceu o Guarda. Falámos de armas e agrupamentos. Tínhamos os “alvos” e os agrupamentos que a menina do Nelson tinha feito, a ele não lhe agradavam e ao guarda também não… a mim pareciam-me bonzinhos…
O agrupamento da minha menina estava na minha memória e tinha sido feito havia cerca de um mês.
Estava na dúvida se caçava com a minha ou com a do Nelson….
Essa dúvida manter-se-ia até bem mais tarde.
Fomos buscar os petiscos que constavam de Broa da Mealhada, Pão caseiro de Milfontes, leitão do Nelson e salada de ovas da minha casa, o vinho foi de lá e bebia-se bem.
Belo jantar.
Após umas bebidas manhosas (por lá não há medronhos nem bagaços), fui “estagiar” para o quarto.
Perguntei ao meu filho que arma deveria de levar…
Após a sua resposta decidi que iria levar a minha menina, uma BRNO 300 WM.
Nos intervalos dos sonos, lá andavam os Rebecos empoleirados nos rochedos. Antes do despertador tocar já eu estava a tomar um duche e a preparar-me para a grande caçada.
Na hora combinada e ainda bem antes do sol nascer lá partimos no Suzuki a caminho da montanha.
Muito lentamente e por um carreiro cimentado, sempre em primeira e baixas, lá fomos subindo, até que a estrada se acabou.
O dia começou a nascer, prepará-mo-nos. No meu caso, coloquei na mochila a bucha para o almoço, uma garrafinha de tinto Alentejano e agua.
Os binóculos foram pendurados ao pescoço, o porta balas no cinto, a minha menina ao ombro e o bordão na mão.
O Bordão revelou-se fundamental, principalmente nas descidas.
Começámos a subir por uns carreiros feitos pelas vacas e onde o gelo ia estalando debaixo dos nosso pés...
Não demorando, uma paragem para observar um rebeco que nos observava lá das alturas, binóculos nos olhos, não me parecia nada que valesse a pena, mas esperei que os "experts" se manifestassem.
O guarda montou o Telescópio e confirmou o que eu tinha pensado, era bonito, mas….
O Nelson informou-nos que estava a cerca de 250 metros.
Continuamos a subir. Subida inclinada. Comecei a notar alguma dificuldade em inspirar pelo nariz e expirar calmamente pela boca. Uma vez por outra tinha que inspirar pela boca.
Nos cabeços mais altos de Milfontes, consigo controlar facilmente a respiração….
Alguma diferença havia.
O Nelson vinha um pouco mais atrás. De vez em quando o guarda parava, provavelmente também se cansava. Eu aproveitava e descansava e reparei que nas pausas ficava como novo, o que me alegrava.
Só via subidas …
Continuámos e vimos uma fêmea, com uma cria, relativamente próxima… até deu para a fotografia. 
Continuámos a subir, parámos num local já mais alto, tipo planalto, que estava coberto de neve, lindo de ver , estava frio, mas um frio que até sabia bem.
Continuámos a subir, mas agora mais gradualmente e pisando neve. A sensação de pisar era fofa.
Sempre que se parava, era caçar com os binóculos…
Chegámos a uma zona em que pensei que teríamos que tomar outro rumo, pois a montanha que estava á frente parecia-me demasiado inclinada para subir.
Estava enganado, pois o guarda continuou em frente, lá fui atrás dele, olhava para trás e… o Nelson lá vinha.
Chegámos a uma zona com alguma vegetação, mas que vista ao longe parecia que não existia devido a estar coberta de neve, entre essa vegetação havia uns carreiros, penso que feitos pelas vacas. Foi por lá que seguimos…
Parámos, observámos e o guarda descobriu um Rebeco que poderia ser interessante, também o vi lá muito alto e longe.
Montou o “catalejo”, observou e disse que era bonzinho, observei-o, mas não me pareceu nada por ai alem.
Estava a esgravatar, o guarda disse que estava a fazer a cama e que se ia deitar, assim foi.
Estava a cerca de 370 metros.
Pensei cá para comigo, que alem de ser demasiado longe, seria difícil aproximar mais… e que nem seria grande troféu.
O guarda resolveu abandonar a ideia, pelo menos por enquanto, desmontou a aparelhagem e seguimos.
Não demorando muito ali na mesma encosta e vindo não sei de onde começaram a aparecer bichos, fêmeas, machos… houve uma ocasião que me mandou preparar, retirei a mochila das costas coloquei-a numa pedra e quando me aprontava, disse-me que não valia a pena, que ainda não era aquele…
Levantámos arraial e seguimos. À nossa frente apresentavam-se uns rochedos altaneiros. O trilho por onde caminhávamos localizava-se entre eles, o Nelson lá vinha…
O guarda disse-me para ir preparado pois ao chegarmos lá acima, do outro lado poderia haver algum bom animal, mas que o vento não era bom.
Continuámos a subir. Ele parava e espreitava, eu aguardava, ele avançava e eu avançava, chegámos ao topo. Havia por lá machos e fêmeas, mas nada que entusiasmasse, continuámos...
Nesta fase já me tinha esquecido da questão da respiração e não sei se respirava ou não.
Continuámos, repentinamente o guarda atirou-se ao chão e disse para disparar….
Diiiisparar???????
Baixei-me. Indicou-me para usar o bordão como apoio. Lá ao longe via um rebeco num rochedo, tentei abrir o bordão mas vi que aquilo não tinha jeito…
Dei-lhe a entender que havia uma pedra por cima dele e que queria ir para lá. Anuiu. Desviou-se um pouco e fui para lá. Coloquei a minha mochila por cima da rocha e quando encarei a minha menina só via gelo e neve na mira. Fiz-lhe indicação desse pormenor. Descalcei uma luva para limpar a mira e entretanto ele ofereceu-me um lenço com o qual a limpei.
Tentei encarar novamente a minha menina, mas não conseguia, o guarda já nervoso e perguntou o que se passava. Disse-lhe que o apoio era demasiado baixo. Deu-me também a sua mochila, que coloquei por cima da minha.
O guarda apressava-me, mas eu fazia ouvidos de mercador e não tinha pressa nenhuma…
Assim já dava. Estorvava-me a luva da mão esquerda e com os dentes retirei-a. Apercebi-me que era um tiro com muita inclinação, talvez uns 45º. Estava mal apoiado, mas via bem o animal. Coloquei a mira nos 12 aumentos, esperei que ficasse bem de atravessado, accionei o gatilho de cabelo, e quando o centro do retículo passou pelo ombro, toquei no gatilho e BUM…
O rebeco colocou-se literalmente de pé, uma mão a abanar, cai, não cai, não cai…
O Nelson gritou que estava morto, o guarda dizia para disparar. Sentia algo quente a escorrer pelo nariz, levei a mão ao sobrolho e confirmei que a mira me tinha acertado…
O bicho veio na nossa direcção lentamente, apontei, disparei segundo tiro, (parvoíce) não acertei…
A minha menina só leva duas munições, retirei do porta balas mais duas, recarreguei, apontei, disparei e falhei.
Fogo…
O animal deslocava-se muito devagar mas não caía, apontei novamente, disparei, caiu redondo.
Uff.
Gritava o Nelson… que já estava morto com o primeiro tiro, gritava o guarda que agora é que estava, eu ouvia-os…


Texto e foto da autoria de António Afonso Inácio

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