1 . A prática da caça às galinholas
nos Açores é muito antiga. Nos finais do
Séc. XIX, por volta de 1885, existe
uma foto de dois membros da família
Dabney (o Ralph e o Charles) a caçar na
Ilha do Faial às galinholas. Ainda até há pouco tempo a caça à galinhola (Scolopax rusticola ) com cão de parar era exercida por um grupo restrito
de caçadores açorianos. Mais recentemente e principalmente nas ilhas do
Pico e da Terceira o número de caçadores de galinholas tem vindo a aumentar, embora não se dediquem exclusivamente a este tipo de caça.
Nos Açores e nos últimos 40 anos foi
exercida uma pressão
extraordinária na caça à galinhola por alguns Franceses que se encontravam destacados na
Base Francesa para rastreio de mísseis balísticos existente na Ilha das Flores.
Com o encerramento daquela unidade militar no último quartel do Séc. passado
este problema foi ultrapassado.
A galinhola açoriana é uma
espécie que vive e reproduz todo o ano
em algumas ilhas dos Açores. É pois uma ave autóctone e bem adaptada às
condições edafo-climáticas de algumas ilhas açorianas como é o caso do Pico,
São Jorge, Faial, Flores ou mesmo de São Miguel. Sendo assim, compete aos
caçadores e aos serviços oficiais da caça desenvolverem um esforço redobrado na
sua gestão e sustentabilidade, sob pena de, a prazo, a sua existência ficar
fortemente ameaçada, até porque elas habitam num território muito limitado e
frágil.
Diz-se que, há uns anos atrás, foi cobrada uma
galinhola em França que teria sido anilhada na Ilha de São Miguel. É possível,
mas a ter acontecido, é um fenómeno
muito raro.
2. A minha experiência de caça
nas mais variadas Ilhas açorianas, na
companhia de excelentes caçadores de galinholas e de magníficos cães de parar,
sobretudo das raças Setter inglês e Epagneul bretão, permite-me constatar que a
população de galinholas se encontra estável, isto é, podemos ainda caçar, mas
muitos perigos espreitam a população de galinholas dos Açores e o principal e
mais devastador é a alteração dos habitats com a construção de novas vias de
comunicação por todo o lado, caminhos agrícolas, arroteamentos para a criação
de prados para o gado bovino, destruição dos fetos, musgos e zonas húmidas são estas
as verdadeiras ameaças à sustentabilidade e existência das galinholas açorianas, e este perigo é real e existe. Em segundo lugar se destacam os furtivos,
sobretudo os que se movimentam e matam na calada da noite e designadamente no período
de reprodução da espécie que, com a alteração climatérica que estamos a
assistir, é cada vez mais longo.
Para contrapor os aspectos
negativos aqui referenciados, algumas medidas positivas têm sido implementadas
nos Açores e que importa referir. A primeira foi a proibição de “caçar” na
passagem da galinhola, ao anoitecer e no
período forte do acasalamento. Este tipo de prática venatória tinha alguma
tradição nos Açores, mas provocava muitos estragos e muitas das galinholas abatidas não chegavam a ser cobradas, já que a maioria destes caçadores não utilizava cão de caça e
muito menos cão de parar. Hoje, só é legalmente possível caçar a galinhola com cão de parar
e no máximo de dois caçadores e dois cães, das 08h00 às 17h00. A caça nos
Açores, da nossa dama dos bosques e das turfeiras só é exercida nos meses de Outubro, Novembro
e, excepcionalmente, até meados de
Dezembro. Uma outra medida importante
para a sustentabilidade das galinholas reside no facto de, na Ilha do Pico, existir
a alternância das zonas de caça, embora
esta medida acabe por ser parcialmente anulada pelo facto de ser permitida a
caça ao coelho precisamente nos mesmos lugares que estão interditos à caça da
galinhola e pela antecipação da abertura da caça ao coelho nas zonas em que é
permitida posteriormente a caça à galinhola.
3. A caça à galinhola nos Açores
desenvolve-se em terrenos muito bonitos, com paisagens deslumbrantes, mas também difíceis de progredir e muitas vezes debaixo de um clima bastante exigente (nevoeiro denso, fortes chuvadas e vento forte).
Uma boa preparação física dos caçadores e dos seus cães são imprescindíveis
para o sucesso da jornada. Paralelamente, quem não conhecer a biologia das
galinholas e o seu comportamento nunca será um caçador a sério de galinholas. O
clima e o habitat são determinantes para a vida e o desenvolvimento da galinhola. Na caça à galinhola cada dia é um dia
diferente, ou porque o tempo mudou, ou porque o nosso companheiro cão de parar
mudou de humor, ou porque as cargas que utilizamos ou a arma deixaram de ser as mais
adequadas, ou ainda, porque pura e simplesmente a galinhola nos fintou. Costumo dizer à minha mulher “ainda bem que só nestes
últimos 20 anos despertei para a arte e para a paixão que é a caça à galinhola”, e
isto, para bem da preservação da espécie.
Quanto mais aprendo neste tipo de caça mais difícil se torna fisicamente
colocar os conhecimentos em prática.
4. Um outro aspecto importante
para a sustentabilidade da galinhola nos Açores e em todo o Mundo advém do acompanhamento científico da sua dinâmica
populacional. Fica aqui uma referência muito especial ao papel desempenhado nos Açores pela Dr.ª Ana Luísa e pelo Carlos
Pereira, por saberem aliar a componente científica ao imprescindível papel dos
caçadores no estudo desta espécie mítica e maravilhosa que é a galinhola.
Espero que nestes próximos tempos o papel da ciência prossiga sem “ politiquices”, pois
trata-se de um trabalho cientifico absolutamente imprescindível para a perenidade da espécie.
5. Finalmente uma nota muito
positiva para a componente social e gastronómica que, no meu caso, envolve
sempre a caça às galinholas. Só com amigos a fundo se consegue caçar às galinholas
como eu as caço verdadeiramente nos Açores. Existem segredos que não partilhamos com mais
ninguém. Por outro lado, temos que nos conhecer bem e confiar uns nos outros, pois os terrenos e o clima
em que caçamos exigem que a componente da segurança seja muito valorizada. Só desfrutamos dos lances em pleno e da
maravilha que é a caça à galinhola fazendo uma equipa perfeita.
O convívio que antecede a caçada
e o que se segue são sempre momentos altos de confraternização e memoráveis, bem vividos,
comentados, com umas refeições
extraordinárias, para além de sermos
sempre bem recebidos pelos nossos amigos.
A raridade e a qualidade gastronómica
das galinholas são únicas, como é ímpar
o quadro que retrata a beleza e o mistério em que
se desenvolve a sua caçada.
Texto da autoria de Gualter Furtado
Fotos da autoria de Carlos Pereira, José Correia e Gualter Furtado
Fotos da autoria de Carlos Pereira, José Correia e Gualter Furtado