12 de novembro de 2012

As Galinholas dos Açores

1 . A prática da caça às galinholas nos Açores é muito antiga. Nos  finais do Séc. XIX,  por volta de 1885, existe uma  foto de dois membros da família Dabney (o Ralph e o Charles) a caçar na Ilha do Faial às galinholas. Ainda até há pouco tempo a caça à galinhola (Scolopax rusticola ) com cão de parar era exercida por um grupo restrito de caçadores açorianos. Mais recentemente e principalmente nas ilhas do Pico e da Terceira o número de caçadores de galinholas tem vindo a aumentar, embora não se dediquem exclusivamente a este tipo de caça. 

Nos  Açores e nos últimos 40 anos foi exercida  uma  pressão  extraordinária na caça à galinhola por alguns  Franceses que se encontravam destacados na Base Francesa para rastreio de mísseis balísticos existente na Ilha das Flores. Com o encerramento daquela unidade militar no último quartel do Séc. passado este problema foi ultrapassado.
A galinhola açoriana é uma espécie que vive e reproduz  todo o ano em algumas ilhas dos Açores. É pois uma ave autóctone e bem adaptada às condições edafo-climáticas de algumas ilhas açorianas como é o caso do Pico, São Jorge, Faial, Flores ou mesmo de São Miguel. Sendo assim, compete aos caçadores e aos serviços oficiais da caça desenvolverem um esforço redobrado na sua gestão e sustentabilidade, sob pena de, a prazo, a sua existência ficar fortemente ameaçada, até porque elas habitam num território muito limitado e frágil.
 Diz-se que, há uns anos atrás, foi cobrada uma galinhola em França que teria sido anilhada na Ilha de São Miguel. É possível, mas  a ter acontecido, é um fenómeno muito raro.

2. A minha experiência de caça nas mais variadas Ilhas açorianas, na companhia de excelentes caçadores de galinholas e de magníficos cães de parar, sobretudo das raças Setter inglês e Epagneul bretão, permite-me constatar que a população de galinholas se encontra estável, isto é, podemos ainda caçar, mas muitos perigos espreitam a população de galinholas dos Açores e o principal e mais devastador é a alteração dos habitats com a construção de novas vias de comunicação por todo o lado, caminhos agrícolas, arroteamentos para a criação de prados para o gado bovino, destruição dos fetos, musgos e zonas húmidas são estas as verdadeiras ameaças à sustentabilidade e existência das galinholas açorianas, e este perigo é real e existe.  Em segundo lugar se destacam os furtivos, sobretudo os que se movimentam e matam na calada da noite e designadamente no período de reprodução da espécie que, com a alteração climatérica que estamos a assistir, é cada vez mais longo.
Para contrapor os aspectos negativos aqui referenciados, algumas medidas positivas têm sido implementadas nos Açores e que importa referir. A primeira foi a proibição de “caçar” na passagem da  galinhola, ao anoitecer e no período forte do acasalamento. Este tipo de prática venatória tinha alguma tradição nos Açores, mas provocava muitos estragos e  muitas das galinholas abatidas não chegavam a ser cobradas, já que a maioria destes caçadores não utilizava cão de caça e muito menos cão de parar. Hoje, só é legalmente possível caçar a galinhola com cão de parar e no máximo de dois caçadores e dois cães, das 08h00 às 17h00. A caça nos Açores, da nossa dama dos bosques e das turfeiras só é exercida nos meses de Outubro, Novembro e, excepcionalmente, até meados  de Dezembro.  Uma outra medida importante para a sustentabilidade das galinholas  reside no facto de, na Ilha do Pico,  existir a  alternância das zonas de caça, embora esta medida acabe por ser parcialmente anulada pelo facto de ser permitida a caça ao coelho precisamente nos mesmos lugares que estão interditos à caça da galinhola e pela antecipação da abertura da caça ao coelho nas zonas em que é permitida posteriormente a caça à galinhola.

3. A caça à galinhola nos Açores desenvolve-se em terrenos muito bonitos, com paisagens deslumbrantes, mas  também difíceis de progredir e muitas vezes debaixo de um clima bastante exigente (nevoeiro denso, fortes chuvadas e vento forte). Uma boa preparação física dos caçadores e dos seus cães são imprescindíveis para o sucesso da jornada. Paralelamente, quem não conhecer a biologia das galinholas e o seu comportamento nunca será um caçador a sério de galinholas. O clima e o habitat são determinantes para a vida e o desenvolvimento da galinhola.  Na caça à galinhola cada dia é um dia diferente, ou porque o tempo mudou, ou porque o nosso companheiro cão de parar mudou de humor, ou porque as cargas que utilizamos ou a arma deixaram de ser as mais adequadas, ou ainda, porque pura e simplesmente a galinhola nos fintou. Costumo  dizer à minha mulher “ainda bem que só nestes últimos 20 anos despertei para a arte e para a paixão que é a caça à galinhola”, e isto,  para bem da preservação da espécie. Quanto mais aprendo neste tipo de caça mais difícil se torna fisicamente colocar os conhecimentos em prática.

4. Um outro aspecto importante para a sustentabilidade da galinhola nos Açores e em todo o Mundo advém do acompanhamento científico da sua dinâmica populacional. Fica aqui uma referência muito especial  ao papel  desempenhado  nos Açores pela Dr.ª Ana Luísa e pelo Carlos Pereira, por saberem aliar a componente científica ao imprescindível papel dos caçadores no estudo desta espécie mítica e maravilhosa que é a galinhola. Espero que nestes próximos tempos o papel da ciência prossiga sem “ politiquices”,  pois  trata-se de um trabalho cientifico absolutamente  imprescindível para a perenidade da espécie.

5. Finalmente uma nota muito positiva para a componente social e gastronómica que, no meu caso, envolve sempre a caça às galinholas. Só com amigos a fundo se consegue caçar às galinholas como eu as caço verdadeiramente nos Açores. Existem segredos que não partilhamos com mais ninguém. Por outro lado, temos que nos conhecer bem e confiar uns nos outros, pois os terrenos e o clima em que caçamos exigem que a componente da segurança seja muito valorizada.  Só desfrutamos dos lances em pleno e da maravilha que é a caça à galinhola fazendo uma equipa perfeita.
O convívio que antecede a caçada e o que se segue são sempre momentos altos de confraternização e memoráveis, bem vividos, comentados,  com umas refeições extraordinárias,  para além de sermos sempre bem recebidos pelos nossos amigos.
A raridade e a qualidade gastronómica das galinholas são únicas,  como é ímpar o quadro que retrata a beleza e o mistério  em que se desenvolve a sua caçada. 



Texto da autoria de Gualter Furtado
Fotos da autoria de Carlos Pereira, José Correia e Gualter Furtado

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