No passado dia 07 de Outubro de
2012, os caçadores da Ilha de Santa Maria, a mais oriental das terras
Açorianas, celebraram a abertura geral de mais uma época de caça, desta feita a de
2012/2013.
As duras condições climatéricas que
se fizeram sentir ao amanhecer, caracterizadas pelo forte vento e por um céu
bastante carregado, ameaçando chuva pesada, nem por isso foram suficientes para
desmotivar os verdadeiros devotos de Santo Huberto.
Sendo o coelho bravo a espécie
cinegética mais desejada, no final da esforçada jornada os caçadores por nós contactados,
foram unânimes em afirmar que os números eram bem menores do que os observados
em igual período da época transacta, facto que foram justificando com a
devastação provocada pela Doença Hemorrágica Viral nas populações de coelho,
verificada que foi em finais de Dezembro passado e nos inícios do presente ano;
com a passagem do Furacão Gordon pela Ilha, ocorrida no final do mês de Agosto transacto,
com os efeitos da Tempestade Tropical Nadine e com a prática constante da caça
furtiva.
Apercebemo-nos, por tudo isto,
da existência de um profundo receio e de uma enorme ansiedade no seio dos
caçadores marienses, quanto à viabilidade e desenvolvimento da actividade
cinegética nesta Ilha.
Comparando o Calendário Venatório
da época anterior com o actual, constata-se que este último estende a caça a
terrenos que antes se encontravam interditos à prática venatória e que reduz de
5 para 4 o número permitido de capturas de coelhos.
Por outro lado, e sempre na caça
ao coelho, proíbe agora o uso de quaisquer instrumentos cortantes e afins.
Se o aumento da área de caça e a
redução do número de peças nos parece uma medida aparentemente contraditória e
que nos levanta algumas dúvidas, a interdição do uso de foices já causa um enorme
desagrado, sobretudo nos caçadores de corricão, até porque se trata de um
instrumento ancestral e com forte tradição na Ilha de Santa Maria.
No terreno contactamos Victor
Carreiro, de 46 anos, titular de carta de caçador deste os 17 anos, que nos disse
ter optado pelo Lugar de Abegoaria para fazer a sua abertura.
Ao contrário das épocas anteriores,
fê-la sem os seus companheiros habituais, devido a impedimentos de última hora
e a desistências da caça no seio do grupo.
Foi então por si e pelos seus cães,
tendo começado pelas 08H00 e terminado cerca de duas horas depois, assim que
alcançou a conta.
Viu menos caça do que na abertura
passada e justificou-o com as intempéries supra-mencionadas e com a necessidade
de se olhar a caça não como um dado adquirido, que se renova automaticamente todos os anos, mas
como um bem insubstituível e de inestimável valor que é necessário saber cuidar
e gerir com mais atenção.
Para José Cabral, também de 46
anos e caçador com arma de fogo desde os 18, esta foi a pior abertura de
sempre.
Tendo começado igualmente às
08H00, escolheu por levar os seus quatro cães pelo Lugar de Cabrestantes.
Terminou pelas 12H00, sem ter
alcançado o limite estabelecido de peças.
Observou poucos coelhos e realçou
o facto de também se ter deparado com menos caçadores.
Se a doença, o mau tempo e o
furtivismo provocaram uma menor densidade de caça, também as actuais condições
económicas e financeiras por que passa o País vieram afastar muitos caçadores,
concluiu.
Jorge Santos, de 47 anos e caçador
encartado desde os 16 anos, é da opinião que a doença, o mau tempo e a caça
furtiva são as principais causas da menor densidade de coelhos verificada. Por
outro lado, constatou igualmente uma redução significativa do número de
caçadores, situação que muito o preocupava, embora adiantasse que, talvez fosse
esta uma oportunidade para se apurar uma melhor relação na pressão a que se
sujeita a caça.
Disse-nos, em tom de desabafo,
que, a manter-se esta realidade, a tendência seria a redução gradual das
populações cinegéticas em grave prejuízo dos caçadores.
Que, nesse sentido, a gestão da
caça assumia-se como uma necessidade cada vez mais urgente, mesmo de primordial
importância, e que devia de ser repensada, pelo que os serviços oficiais da caça
e os próprios caçadores deviam assumir as suas responsabilidades quanto antes,
sob pena de se agravar uma situação que já muito o preocupava.
Daniel Cabral, de 51 anos de
idade e caçador desde sempre, traçou o rumo da Ribeira dos Furados. Para ele
também foi uma abertura difícil e esforçada.
Com a conta feita, lamentou-nos,
mesmo assim, os dois coelhos que não conseguiu cobrar, porque, sem poder fazer
uso da sua foice pelas razões já citadas, foi-lhe impossível penetrar no
silvado onde tombaram.
Disse-nos que era muito triste
constatar uma tão fraca densidade de coelhos e que as sucessivas exigências para se continuar a caçar têm sido
desgastantes e muito frustrantes, situação que tem vindo a afastar da caça um
número considerável de praticantes, mas garante que não desistirá e que tudo
fará para continuar a exercer uma actividade
que pratica e desenvolve desde os seus tempos de criança.
Acompanhamos também uma equipa da
Polícia Florestal de Santa Maria que, para além das funções de fiscalização
habituais e da demonstração de uma enorme competência e profissionalismo, procediam igualmente à recolha de um conjunto de informações, tais
como: se, em relação à época passada, o número da espécie abatida tinha aumentado,
reduzido ou mantido; se o período de caça devia ser aumentado, reduzido ou
mantido; se o número de peças estabelecido para cada dia devia ser aumentado,
reduzido ou mantido. Na mesma altura quantificavam o número de animais cobrados
e os qualificavam de acordo com o sexo e a maturidade de cada um (ver: Estudos
ajudam a regular a população do coelho-bravo nos Açores) - sem
dúvida um trabalho de recolha muito importante e que tem merecido de todos os
caçadores a mais elevada contribuição.
A abertura da presente época de caça na Ilha de Santa Maria foi, assim,
marcada pela Doença Hemorrágica Viral, pelas diversas intempéries e pelos
nefastos efeitos da caça furtiva, na realidade a maior das preocupações que nos
foi transmitida. Por outro lado, e embora seja reconhecido o meritório esforço
que tem vindo a ser realizado pelos serviços oficiais da caça, a verdade é que
pouco do que tem sido feito e apresentado se tem traduzido numa evolução
positiva no terreno, pelo que persiste um elevado sentimento de insatisfação e
de ansiedade, que a actual situação por que passa o País só vem agravar ainda
mais.
De muito positivo é que agora nos apercebemos, sem dúvidas, da extensão e
da vontade dos devotos de Santo Huberto na alteração deste estado de coisas e
que, quando assim é, a esperança de novos e melhores tempos subsistirá, pelo
que, no final, prevaleceremos!