6 de julho de 2012

Vale a pena ser Caçador

O amigo e Presidente da CNCP Vítor Palmilha desafiou-me a escrever umas palavras nesta notável publicação, que se insere no prestigiante evento que é a XVII Edição da  Feira de Caça, Pesca e do Mundo Rural do Algarve, que muito valoriza esta Região em particular e o Mundo da Caça em geral, pelo que não pude recusar e aqui estou.

Conto 59 anos de uma vida activa e bem preenchida, dos quais passei 53 anos a viver intensamente uma paixão e um acto de cultura que é a caça.

Aos que tiverem paciência para ler estas minhas linhas, principalmente aos mais novos e em jeito de balanço digo-lhes que  continua a valer a pena ser Caçador.
Pratiquei andebol, joguei futebol, fui aluno do quadro de honra de Económicas, na Universidade Técnica de Lisboa, docente de duas universidades a sério, responsável máximo da pasta das Finanças do Governo dos Açores, ajudei a criar  e ainda sou o responsável número um de uma Instituição de Crédito que dignifica o nome que ostenta.
Privei com muita gente, desde a mais humilde à mais distinta e se tivesse que nomear as três palavras que estiveram sempre presentes  na minha vida indicaria a ética, o trabalho e a caça.
Nunca tive vergonha de afirmar, em nenhuma situação e em nenhum lugar, que era Caçador, muito antes pelo contrário.  
Numa fase bastante amarga da nossa vida individual e colectiva, como a que vivemos actualmente e que é por todos conhecida, com uma lei das armas desajustada a afastar cada vez mais caçadores, com o associativismo a passar por enormes dificuldades,  com as pessoas a agredirem-se  mutuamente ao invés de se aproximarem e de se unirem, com uma presença cada vez mais forte e não menos fanática dos movimentos anti-caça, entre tantos outros aspectos negativos, tudo isto contribui decisivamente para afastar da caça os mais jovens, os mais antigos e muitos  dos praticantes que até há pouco tempo eram bastante activos.
 Apesar de tudo isto, destes fortes constrangimentos à prática cinegética, reafirmo que vale a pena ser Caçador, porque mesmo que tenhamos de fazer sacrifícios, continua sempre a valer a pena!
Para comprar a minha primeira espingarda de caça,  uma Baikal, de um cano, na altura por 10 mil escudos,  deixei pura e simplesmente de fumar e acreditem que na altura custou-me bastante fazê-lo. Ainda hoje continuo a preferir a caça e quando tenho de optar entre a caça e outra coisa qualquer, por muito duro que se torne, escolho sempre a caça.
Ainda recentemente  custou-me imenso ter  de denunciar ao Senhor Provedor de Justiça o comportamento da Secretaria Regional da Agricultura dos  Açores, mais concretamente da Direcção Regional dos Recursos Florestais, entidade que tutela a caça na Região Autónoma dos Açores,  por obrigarem os Caçadores Açorianos e residentes nestas ilhas, titulares de carta de caçador nacional e de licença de caça nacional, a terem de  tirar uma licença de caça de Ilha (8 licenças para 8 Ilhas, já que no Corvo não se caça) com o argumento de que o produto  financeiro proveniente das licenças nacionais  ficava para o Orçamento de Estado e não para o Orçamento Regional.
Ora, tendo sido eu um dos autores da proposta da primeira Lei de Finanças das Regiões Autónomas, sei perfeitamente que este argumento não tem fundamento nenhum e que pode facilmente ser ultrapassado e ainda argumentam que um caçador Açoriano, com uma carta de caçador regional, não pode caçar no Continente!
Estamos pois perante um grave atropelo e quem o diz é quem, sem falsas modéstias o afirmo, já deu muito de si, da sua energia e do seu trabalho aos Açores. Poderia ter optado pelo silêncio, que neste caso seria bem mais cómodo, mas a defesa da caça obriga-nos a tomar uma posição clara quando se torna necessário e impõe-nos sérios deveres, um dos quais o combate às injustiças.
Sinto possuir esta obrigação, já que devo à caça parte da minha saúde e da minha alegria. Na caça fiz amigos extraordinários, conheci lugares e Países que nunca previ lá chegar que não fosse doutro modo. Provei sabores e gastronomia cinegética de excelência, sendo que alguns dos pratos confeccionados e a matéria-prima utilizada só se consegue mesmo sendo caçador.
Na caça desenvolvi e apurei o espírito de equipa e de liderança que me ajudaram a ser o homem que sou.
Finalmente por ter tido a honra de partilhar momentos únicos com os meus cães de caça, podengos e perdigueiros que tudo fizeram e fazem para me agradar e tornar num Caçador completo. Ainda hoje, nestes tempos conturbados que vivemos e fora do período da caça, poder usufruir da companhia dos meus cães de caça, nem que seja uma hora por dia, para além de ser um privilégio é um suplemento vitamínico extraordinário para me ajudar a enfrentar os desafios da vida e só por isto já vale a pena ser Caçador!
Com a idade a avançar, comecei a valorizar ainda mais a componente social da caça, a descobrir o desportivismo que a mesma encerra, a desfrutar da natureza e a preocupar-me com o meio ambiente e a sua sustentabilidade. Valorizo mais a qualidade do lance em detrimento da quantidade dos abates, outrora bem mais aliciantes.
Um coelho bravo bem trabalhado pelos meus podengos ou uma galinhola bem amarrada por uma das minhas Setters ou por um dos meus Bretões não tem preço e vale a pena todos os sacrifícios. Aquele que me ler, sendo caçador, decerto que me compreenderá.
Por tudo isto reafirmo a necessidade de nos unirmos em torno dos valores que estimamos e que nos são comuns, de nos empenharmos na defesa da caça e a darmos o nosso válido contributo para o seu desenvolvimento, porque continua valer a pena ser Caçador, mesmo nos dias que correm.

Gualter Furtado

Presidente em exercício da Assembleia Geral da Federação dos Caçadores dos Açores  e Presidente da Assembleia Geral da Associação Nacional de Caçadores de Galinholas

Texto e foto da autoria de Gualter Furtado

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