O amigo e Presidente da CNCP Vítor Palmilha desafiou-me a escrever umas
palavras nesta notável publicação, que se insere no prestigiante evento que é
a XVII Edição da Feira de Caça, Pesca e do Mundo
Rural do Algarve, que muito valoriza esta Região em particular e o
Mundo da Caça em geral, pelo que não pude recusar e aqui estou.
Conto 59 anos de uma vida activa e bem preenchida, dos quais passei 53
anos a viver intensamente uma paixão e um acto de cultura que é a caça.
Aos que tiverem paciência para ler estas minhas linhas, principalmente
aos mais novos e em jeito de balanço digo-lhes que continua a valer a
pena ser Caçador.
Pratiquei andebol, joguei futebol, fui aluno do quadro de honra de
Económicas, na Universidade Técnica de Lisboa, docente de duas universidades a
sério, responsável máximo da pasta das Finanças do Governo dos Açores, ajudei a
criar e ainda sou o responsável número um de uma Instituição de Crédito
que dignifica o nome que ostenta.
Privei com muita gente, desde a mais humilde à mais distinta e se
tivesse que nomear as três palavras que estiveram sempre presentes na
minha vida indicaria a ética, o trabalho e a caça.
Nunca tive vergonha de afirmar, em nenhuma situação e em nenhum lugar,
que era Caçador, muito antes pelo contrário.
Numa fase bastante amarga da nossa vida individual e colectiva, como a
que vivemos actualmente e que é por todos conhecida, com uma lei das armas
desajustada a afastar cada vez mais caçadores, com o associativismo a passar
por enormes dificuldades, com as pessoas a agredirem-se mutuamente
ao invés de se aproximarem e de se unirem, com uma presença cada vez mais forte
e não menos fanática dos movimentos anti-caça, entre tantos outros aspectos
negativos, tudo isto contribui decisivamente para afastar da caça os
mais jovens, os mais antigos e muitos dos praticantes que até há pouco tempo
eram bastante activos.
Apesar de tudo isto, destes fortes constrangimentos à prática
cinegética, reafirmo que vale a pena ser Caçador, porque mesmo que tenhamos de
fazer sacrifícios, continua sempre a valer a pena!
Para comprar a minha primeira espingarda de caça, uma Baikal, de
um cano, na altura por 10 mil escudos, deixei pura e simplesmente de
fumar e acreditem que na altura custou-me bastante fazê-lo. Ainda hoje continuo
a preferir a caça e quando tenho de optar entre a caça e outra coisa qualquer,
por muito duro que se torne, escolho sempre a caça.
Ainda recentemente custou-me imenso ter de denunciar ao Senhor Provedor de Justiça o
comportamento da Secretaria Regional da Agricultura dos Açores, mais
concretamente da Direcção Regional dos Recursos Florestais, entidade que tutela
a caça na Região Autónoma dos Açores, por obrigarem os Caçadores
Açorianos e residentes nestas ilhas, titulares de carta de caçador nacional e
de licença de caça nacional, a terem de tirar uma licença de caça de Ilha
(8 licenças para 8 Ilhas, já que no Corvo não se caça) com o argumento de que o
produto financeiro proveniente das licenças nacionais ficava para o
Orçamento de Estado e não para o Orçamento Regional.
Ora, tendo sido eu um dos autores da proposta da primeira Lei
de Finanças das Regiões Autónomas, sei perfeitamente que este argumento não tem
fundamento nenhum e que pode facilmente ser ultrapassado e ainda argumentam que
um caçador Açoriano, com uma carta de caçador regional, não pode caçar no
Continente!
Estamos pois perante um grave atropelo e quem o diz é quem, sem falsas
modéstias o afirmo, já deu muito de si, da sua energia e do seu trabalho aos
Açores. Poderia ter optado pelo silêncio, que neste caso seria bem mais cómodo,
mas a defesa da caça obriga-nos a tomar uma posição clara quando se torna
necessário e impõe-nos sérios deveres, um dos quais o combate às injustiças.
Sinto possuir esta obrigação, já que devo à caça parte da minha saúde e
da minha alegria. Na caça fiz amigos extraordinários, conheci lugares e Países
que nunca previ lá chegar que não fosse doutro modo. Provei sabores e
gastronomia cinegética de excelência, sendo que alguns dos pratos confeccionados
e a matéria-prima utilizada só se consegue mesmo sendo caçador.
Na caça desenvolvi e apurei o espírito de equipa e de liderança que me
ajudaram a ser o homem que sou.
Finalmente por ter tido a honra de partilhar momentos únicos com os
meus cães de caça, podengos e perdigueiros que tudo fizeram e fazem para me
agradar e tornar num Caçador completo. Ainda hoje, nestes tempos conturbados
que vivemos e fora do período da caça, poder usufruir da companhia dos meus
cães de caça, nem que seja uma hora por dia, para além de ser um privilégio é
um suplemento vitamínico extraordinário para me ajudar a enfrentar os desafios
da vida e só por isto já vale a pena ser Caçador!
Com a idade a avançar, comecei a valorizar ainda mais a componente
social da caça, a descobrir o desportivismo que a mesma encerra, a desfrutar da
natureza e a preocupar-me com o meio ambiente e a sua sustentabilidade.
Valorizo mais a qualidade do lance em detrimento da quantidade dos abates,
outrora bem mais aliciantes.
Um coelho bravo bem trabalhado pelos meus podengos ou uma galinhola bem
amarrada por uma das minhas Setters ou por um dos meus Bretões não tem preço e
vale a pena todos os sacrifícios. Aquele que me ler, sendo caçador, decerto que me
compreenderá.
Por tudo isto reafirmo a necessidade de nos unirmos em torno dos
valores que estimamos e que nos são comuns, de nos empenharmos na defesa da caça e a darmos o
nosso válido contributo para o seu desenvolvimento, porque continua valer a
pena ser Caçador, mesmo nos dias que correm.
Gualter Furtado
Presidente em exercício da Assembleia Geral da Federação dos Caçadores
dos Açores e Presidente da Assembleia Geral da Associação Nacional de
Caçadores de Galinholas