23 de fevereiro de 2010

O Trilho do Caçador

De acordo com o que disse Ortega e Gasset, no seu livro “A Caça e os Touros”, a Caça possui a característica de quase não ter variado na sua estrutura geral desde os tempos primórdios, exemplificando tal afirmação através da comparação da cena de uma batida aos veados, gravada no decurso da era paleolítica, na Cueva de los Caballos, em Espanha, com a de uma imagem fotográfica de uma montaria actual.
Referiu também que a Caça não se pode definir apenas pelo desporto ou pela utilidade, que designou por finalidades transitivas, porque são exteriores, que ficam para além dela e que a supõem, ou seja, que as distintas finalidades atribuídas à Caça não determinam a actuação em que ela consiste, mas modulam somente o seu exercício.
Que tão pouco pode ser definida pelas suas operações particulares, pelas suas técnicas, uma vez que são inumeráveis, sendo que todas e cada uma implicam certos supostos gerais e comuns, que são a verdadeira essência da actividade venatória e que, por isso, é um erro definir a Caça como sendo uma “perseguição raciocinada”, nos termos em que refere Kurt Lindner, no livro “A Caça Pré-histórica”.

Os primeiros Caçadores, foram os primeiros hominídeos. De facto, fomos Caçadores, muito antes de sermos “totalmente” homens. Significa isto que a Caça é uma das nossas heranças genéticas e que se encontra gravada bem fundo no código de ADN que nos dá a forma e o conteúdo (David Petersen, em “Heartsblood”).
Fernando de Araújo Ferreira, designa-o de "Fogo Sagrado"!

A Caça é uma importante actividade social e psicológica para os Caçadores. É uma demanda poderosa e repleta de significado, acima e para além de outras actividades recreativas (Mark Duda).
Paul Shepard referiu um dia que “the hunt brings into play intense emotions and a sense of the mysteries of our existence, a cathartic and mediating transformation”.
A Caça coloca em confronto emoções intensas e profundas, desperta-nos o intelecto para o mistério que envolve a nossa existência!

Conhecemo-la por Diana, nome Romano para a deusa da caça, a rainha dos animais, a soberana dos animais errantes e da natureza livre, mas também é chamada de Thoeris no Egipto, Shakuntala na Índia, Taue Si na América do Sul, Sedna entre o povo Inuit, de Wibalu na Oceania.
Em todos os povos, de todos os países, de todos os continentes, há uma deusa da caça, e algumas delas são tão antigas como a história ancestral do mais antigo desses povos, cuja função essencial reside na atribuição de um significado compreensível e de alguma ordem à vida, bem como estabelecer um conjunto de normas éticas e morais tão essenciais que são à existência em sociedade. Esses deuses tanto podem ser representados através de animais e plantas, rios e vales, lagos e montanhas, o vento que sopra de Norte ou as constelações, como a Ursa Maior ou o Sagitário!

James A. Swan, no seu livro “The Sacred Art of Hunting” refere que, na generalidade das culturas tradicionais, existe a crença de que há muito, muito tempo, os animais andavam e falavam, coexistindo com o homem em igualdade de circunstâncias e comunicando através de uma linguagem comum, geralmente identificada como a linguagem das aves. Uma vez que acreditam que as dimensões do tempo e do espaço se fundem nos sonhos e nas visões, prevalece a crença de que o homem pode reentrar nesse lugar e conversar com os espíritos, tal e qual o fizeram tão inequivocamente os seus antepassados. Acrescenta ainda que crêem que os animais de todas as qualidades se encontram interligados através de uma espécie de teia invisível, que não só os liga entre si, mas também aos seres espirituais que coabitam noutra dimensão mais elevada e que presidem à sabedoria e poderes de cada animal. Que esses poderes podem ser transferidos para os humanos que ganham o reconhecimento desses seres poderosos. Por exemplo, os índios Kwakiutl, acreditam que as almas dos grandes caçadores renascem nas orcas que, para eles, são animais sagrados e poderosos.

Ao contrário dos animais cuja vida não se encontra vazia e indeterminada, como disse Ortega e Gasset, o homem ao encontrar-se existindo, deparou-se com um pavoroso vazio, um espaço que o distanciou ainda mais do mundo natural, donde surgiu e necessita urgentemente de regressar para poder reencontrar-se e compreender-se, e tenta faze-lo desesperadamente desde que tomou consciência da sua humanidade, desde que se tornou caçador.
Os rituais mágicos, os amuletos, o consumo de drogas alucinogénias estão entre as primeiras tentativas de comunicação com os espíritos. Não é por acaso que ainda se reza “O Pai Nosso” na montaria ao javali ou na batida aos veados, da qual disse Ortega e Gasset não ter diferença quando comparada com a gravura existente na Cueva de los Caballos, a tal que remonta à era paleolítica.
Nas grutas de Lascaux, em França, podemos encontrar uma cena de caça que remonta a 17000 anos antes de Cristo, cujo realismo, audácia e movimento inspirou diversos artistas. Picasso, quando com ela se deparou, exclamou: “fui eu que fiz isso!” (La Chasse vue par les peintres, de Sylvie Ménard).

O Sufismo, uma seita espiritual, com origem no Médio Oriente, prega a existência de 72 caminhos, através dos quais podemos chegar a Deus e que todos eles são iguais, sendo um deles o Trilho do Caçador.

A morte de um animal na Caça, seja ele qual for, é um acontecimento triste, mas nunca um acto de maldade, a não ser que o caçador não possua consciência do seu impacto na natureza ou ignore as consequências do seu acto, mas quando assim for, não é Caçador! Por isso mesmo, em tantas culturas por este mundo fora, persistem ritos celebrados também após a morte do animal, para poder dar-lhe o merecido descanso, agradecer-lhe a carne que irá proporcionar e para tranquilizar os deuses, como, por exemplo, o d’"a última refeição", celebrado nalgumas regiões da Europa, em que o caçador serve comida ao animal abatido, tornando-se, por isso, também o local onde foi encontrado e caiu num terreno de caça sagrado.
Nesse contexto disse Fernando de Araújo Ferreira, no seu livro "Galinholas" o seguinte: "não sei se já repararam neles, na expressão desses olhos, quando à vossa mão vai parar uma galinhola de asa... Eu creio que nenhum caçador, que tenha sensibilidade, possa demorar a sua atenção no olhar da galinhola sem que sinta pena, sem que lá dentro haja uma certa revolta por roubar aquela vida à extensão das florestas, à solidão do seu destino".
É assim um acontecimento amargo e desgostoso, mas também de enorme reconhecimento pelo animal que morreu para nos alimentar. Jamais um acto insensível e cruel!

O que mais deseja o Caçador é tornar ao que é natural e verdadeiro e dar o seu válido contributo para o equilíbrio do ecossistema onde todos existimos e nos relacionamos.
Apesar de admitir ser impossível conciliar as suas crenças com as daqueles que o atacam, o Caçador respeita-as, porque aprecia-as, os admiram, e muito, o modo como eles tentam minimizar o seu impacto negativo no Mundo. Nós, Caçadores, também tentamos fazê-lo, mas percorrendo o nosso caminho, tal e qual eles percorrem o deles, e fazemo-lo caminhando no Trilho do Caçador, como sempre o fizemos, desde o primeiro dos dias, e continuaremos a fazê-lo, até ao último dos minutos!

Este texto encontra-se publicado no Santo Huberto e também n' O Baluarte

16 de fevereiro de 2010

Afinal Porque Caçamos

É sabido ser a caça a mais antiga actividade do homem e que esteve na génese de tantas outras, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento da humanidade!
Então, porque é que parece ser tão difícil, para alguns, entender que somos herdeiros de algo ancestral, que nos acompanha desde os primeiros tempos? De aceitar que nos assiste o direito a existirmos e a praticar essa nossa actividade, a herança mais antiga da humanidade, para a qual possuímos natural tendência?

Afinal porque caçamos? E é ou não legítimo fazê-lo?
Na actualidade, nalguns sectores da sociedade (os mais modernos e recentes, de raiz urbana), considera-se que caçar é um comportamento reprovável... em nome de uma falsa e hipócrita defesa de um ambiente que sofre infinitamente mais com as outras múltiplas actividades humanas, derivadas do desenvolvimento e da modernidade, do que com a prática da caça – esta aliás, quem mais contribui para a preservação e entendimento desse mesmo ambiente.
Que é vicioso, em nome de discutíveis e exacerbados valores sobre a condição animal, fruto do afastamento da realidade da Natureza e do campo. Consideram-no um desvio, fruto do seu alheamento da vida e da morte, naturais, que não entendem e temem! Que é uma expressão da violência e do mal, segundo princípios anti-armas do pacifismo artificial urbano que todavia desenvolveu a violência psicológica, sofisticada.

Mesmo alguns caçadores têm dúvidas em se assumirem, e até vergonha... tentam que não reparem neles, fazem-no às escondidas e defendem-se com pouca convicção, sem saber exactamente porque são levados a caçar, como se só por si a vontade e o prazer não chegassem para o justificar e antes fossem algo de pecaminoso!

Eu, caçador contemporâneo, aos 54 anos, sempre que chego a um local ao ar livre, qualquer que seja o espaço... um quintal, um jardim, um campo, uma praia... olho em volta à procura dos sinais, dos animais e dos lugares onde eles possam estar, as suas possíveis querenças. É instintivo, inconsciente!
Imediatamente avalio vegetação e terreno, procuro pedras ou onde o mar levante. Dou comigo a identificar o posto onde me iria colocar, como entraria no terreno ou aonde iria à procura de presas!
Não olho para um rio ou pedaço de mar, um bosque, montanha ou planície... que não pense imediatamente que animais ali se encontrarão!
Vejo qualquer espaço aberto e me dá vontade de pôr a arma ao ombro, assobiar ao cão e marchar rumo ao horizonte...
Chegando a uma praia, olho imediatamente para o mar a avaliar o seu potencial, o estado de força, a limpidez, altura da maré, manchas de pedra e outros sinais...
Mal avisto um pedaço de oceano, logo me apetece enfiar máscara e barbatanas e ir por ali fora, de arma na mão!
É mais forte do que qualquer outra coisa, e sempre assim foi desde que me lembro!

Ora o que é isto? Só tenho uma explicação:
- SOU CAÇADOR! Em todas as fibras do meu ser... até ao mais ínfimo protão!

Porquê? Pois porque há em mim um qualquer código que me faz ser assim. Como sei que existe noutros e sei que existem outros cujo primeiro olhar é para os biquínis, ou para a luz e côr do enquadramento que daria uma tela ou uma fotografia; os que ouvem música no vento e nas ondas, ou os que desenham na mente a casa que ali construiriam... cada qual nasce com a sua sensibilidade e tendências...

Os meus antepassados foram formidáveis caçadores! Se não o tivessem sido não estaríamos aqui a discorrer sobre estas questões! Porque o homem é fraco, corre pouco, não possui asas, tem pele fina e nua, unhas curtas e dentes pequenos... Teria sido comido pelos carnívoros, ou, sobrevivendo de raízes, frutos e plantas, não teria chegado ao nível actual dos nossos detractores nem aos locais onde eles se exprimem. Seria um tímido herbívoro não evoluído, um saguim grande e triste, nu, com frio e miserável, em permanente busca de comida e estado de vigilância. Se “eles”, os modernos e os que se julgam anti-caça, se acham no topo da evolução humana, foi por terem sido criados a carne e porque os seus antepassados caçaram e comeram carne!

Este antepassado caçador tinha prazer na caça! Tinha que ter... a necessidade de caçar, teve de proporcionar esse prazer, como tudo o que é instintivo e fundamental à sobrevivência das espécies:
- O prazer do sexo, da comida, de mitigar a sede, de sentir o calor quando se tem frio ou o fresco quando se tem calor... são indispensáveis à própria vida! Por isso os animais brincam e têm prazer nos jogos onde treinam para a sua sobrevivência: as lutas e emboscadas dos leões, o correr e saltar das gazelas... as acrobacias dos macacos e das aves, as brincadeiras das focas, lontras ou golfinhos.

Fala-se da morte e associa-se esta à caça... tentam que seja um argumento de peso contra ela mas, a verdade é que há caçadores e presas em todos os estratos da vida! A morte ocorre em todos os seres e faz por isso parte da vida, e de uma relação profunda e natural, que permite a transmissão da matéria e da energia.

Existe uma teia intrincadíssima entre TODOS os seres vivos, que os condiciona. Nós não somos excepção! Basicamente o homem é um animal e igual a eles: nasce, cresce, reproduz-se e morre! Mas, quanto mais sentimentos desenvolveu e mais elevados, mais se distanciou do básico e portanto do animal. Tanto o animal como o homem partilham sensações físicas elementares como a sede, fome, calor, frio e cansaço. Possuem ainda outros sentimentos mais elaborados como o medo, a disposição para o combate, a luxúria e até o amor maternal. Porém, o homem desenvolveu outros sentimentos ainda mais sofisticados, ao nível da psique, que só ele possui, o tornam diferente e elevam a níveis inacessíveis ao animal!

Nós matamos porque somos caçadores! Sem raiva... porque na Natureza, a morte de uns é a vida de outros. Matamos as presas, naturalmente e em paz! Não porque as odiamos, como o leão não odeia zebras nem a aranha odeia moscas! Mas precisam delas para viver e as capturam, naturalmente. Quando damos a morte é por uma razão: a morte de uns dá a vida aos outros, é assim a ordem de toda a Natureza, das plantas aos animais! A grande árvore que morre, apodrece e dá de comer ás novas... e a tantos insectos e estes aos pássaros e até ao urso... Se tiramos uma vida, podemos todavia dar-lhe continuidade porque ao comer o ser que morreu, o incorporamos, e ele continua assim a viver em nós, até por nossa vez morrermos e sermos incorporados na terra e nos vermes e daí passarmos às outras formas de vida, as plantas e os outros animais. Por isso a vida se mantém, é passada de uns seres para os outros. Nós somos meros transportadores de energia, através da vida.

Dar a morte é algo de natural, porque morrer é consequência de estar vivo e o fim dessa mesma vida. Nós damos a vida ao fazer filhos e também damos a morte... é o mesmo e faz parte da nossa condição! O caçador o pratica, com respeito pelos animais a quem dá a morte pois não o faz com o mesmo sentimento do assassino ou a raiva de quem se vinga ou quer suplantar o adversário, e o faz com frieza e eficiência! O objectivo é matar e não fazer sofrer! Mata porque tem de ser, tal como o leopardo mata a gazela, a águia o coelho e o tubarão a foca. Fazemos parte de um todo onde se mata e se morre, como a morte faz parte da vida. E é por isso que sendo caçadores, amamos os animais que matamos e não os odiamos! O pastor, esse odeia o lobo que lhe come o rebanho, o agricultor odeia o javali que lhe come a seara! Podem odiar, e se compreende, mas raramente os matam, e, quando matam alguma coisa é aos seus animais, para os comer, e também não os matam com ódio, matam-nos com indiferença e porque é preciso! Matar com ódio, mata o assassino, por maldade...coisa que nem a cobra ou o crocodilo fazem, porque o criminoso é mau, é baixo! Está no mais baixo nível da existência!

O homem se foi libertando desta teia e saiu dela, por força da sua evolução e do desenvolvimento, arranjando formas dela menos depender. Mas continua a depender da morte, porque come seres que estiveram vivos... animais mortos, e, ao comer as plantas também as mata! A morte estará sempre associada à transferência da energia natural!

O gosto natural pela caça, o “gene do caçador”, existe e está no nosso código genético! Em todas as classes de seres vivos, em todos os estratos e em todas as comunidades, há predadores e presas, que a Natureza na sua complicada rede de interacções e relacionamento criou, de modo a que se regulasse e mantivesse numa dinâmica de evolução e vida. Esse gosto manteve-se ao longo das gerações, como o gosto em procriar ou comer. O homem ao evoluir ganhou outras sensações que são seu apanágio: os gostos e os prazeres sofisticados, apreciar uma paisagem, um vinho, ouvir música, jogar um jogo complexo! Porque só o homem tem o espírito, ou a "alma", que lhe permitiu desenvolver tais sentimentos superiores, como o amor ou a piedade! Isso o que distingue o homem dos animais... que não os sentem. Por exemplo, e desde logo, a piedade, que nenhum animal possui, por força da sua condição como pela sua total inutilidade ou mesmo vantagem de não a manifestar! Pode imaginar-se que o lobo tenha piedade pelo veado? Seria anti-natural! Ou o amor, o amor puro dos amantes ou pelas outras pessoas que conduz a praticar o bem, e, a generosidade! São sentimentos exclusivos do homem, como apreciar as coisas belas e boas, a gastronomia, a música e o canto, a dança ou um simples pôr-do-Sol! Tudo coisas que o homem desenvolveu, inatingíveis para os animais e que os separam. Coisas que diferenciam os próprios homens e os colocam em diferentes níveis da evolução: da cupidez do ladrão, do ódio do assassino, da luxúria do tarado - exacerbações extremas de paixões - , ao homem que se eleva pela sua arte, ou pelos sentimentos generosos da partilha ou da ajuda, e finalmente ao Santo, cujo desprendimento é total!

Esse gene do caçador, pode existir ou não, como pode estar activo ou adormecido. Neste caso pode revelar-se tardiamente ou nunca se revelar! Porém em nós, ele está activo e nos impele a caçar, como nos podia ter impelido a ser músicos, militares, cozinheiros! Por isso, para mim, caçar é sentir a satisfação e a liberdade imensa de seguir essa tendência que vive no meu ser! O desapego, o afastar de tudo, onde nada mais conta nem importa senão o ir, o procurar... não importa o quê!
Reprimi-lo seria a atrofia de uma tendência natural, a infelicidade e a frustração. E, preciso sim de capturar uma presa, de me apossar dela, de a sentir como sendo minha! De experimentar essa sensação da posse, a satisfação atávica, animalesca e ancestral de "apresar". Não se confunda com matar! Nada tem a ver, porque logo depois a minha parte humana, a alma, se enche de pena e se pudesse daria vida àquele animal e o perseguiria outra vez, pois ao caçá-lo criei uma ligação com ele, me identifiquei com ele e passei a depender dele, como num namoro!
Será assim tão difícil de perceber? E de aceitar? Isto faz de mim um ser vicioso e mau? Um sádico criminoso, como pretendem os que não o entendem... talvez porque nunca lhes explicaram as coisas deste modo, presumindo eles de acordo com a sua percepção?
Depois, comê-la-ei... é outra parte dessa condição de ser caçador: sou impelido a comer a minha captura! Os antigos caçadores, os mais primitivos e os filósofos, explicam bem esta parte, pois ao comer o animal, o incorporamos em nós próprios e ele continua a viver, em nós... é algo de profundo que explica a forte ligação da caça à gastronomia, para lá do pragmatismo puro da alimentação e sobrevivência.
A seguir, partilho com os outros esse momento da posse: o lance vivido! Exibo-me e recebo o reconhecimento dos meus iguais, a admiração. É a vaidade humana entendida sob a forma da recompensa, que nos leva a procurar a eficiência para o bem comum: É-se enaltecido mas se contribuiu para o grupo! O que em tempos idos teve a maior importância e por isso se manteve e nos marcou! E não funciona só na caça!

No acto de historiar, há ainda um componente fundamental: a partilha da experiência e do saber adquirido. O ensinar e o imitar, que melhoram a técnica e portanto os resultados do grupo! Ou julgam que é por acaso que somos uma confraria de "mentirosos"? De contadores de histórias e de potenciais vaidosos?

Percebe-se que a prática da caça mantém a nossa ligação à Natureza, e, que nos reintegramos nela ao regressarmos à condição do caçador. O homem, que se afastou da Natureza, regressa assim ao seu estado mais natural ou primitivo, renova energias, limpa as frustrações da vida moderna, reaproximando-se da Natureza e de si mesmo, como os adultos tendem a voltar à infância ou aonde foram felizes! Mais do que isso, imergem na Natureza, onde têm lugar, são aceites porque o caçador faz parte dela e está previsto! A sua actividade é sustentável, como não é a do homem construtor de mega urbes e do desenvolvimento industrial!

Claro que usufruir da Natureza, também outros o fazem! O caminheiro, o fotógrafo e o observador de pássaros, o mergulhador, o ciclista de btt e o alpinista... experimentam esse contacto, mas apenas o contacto e porque não possuindo o gene do caçador, isso lhes basta. Não têm de satisfazer a necessidade de caçar, de se apoderarem de mais do que sensações ou imagens. A necessidade do caçador é ainda mais física! Além do esforço e do jogo da caça, de iludir o animal, importa a sua posse: a captura! A captura é o grande objectivo! Assuma-se e entenda-se, porque sem a captura do animal, o caçador primitivo não sobrevivia... ele não se alimentava de sensações nem de imagens, e sim de carne!

A caça evoluiu, mas não pode ser separada dessa posse, que redunda na morte... a pesca sem morte é a excelência... quando houver a caça sem morte, talvez surja um novo caçador... porém ficará sempre o vazio da posse física, de incorporar o animal, que hoje ainda não dissocio da caça. No futuro... não sei, pois já não será nesta minha vida. Sei sim que a caça evoluiu também, acompanhou o homem... a que se pratica hoje pouco tem a ver com a do início do século passado, menos ainda com a da idade média e nada com a da pré-história... salvo pelo que se manteve, o impulso de caçar e a finalidade de apresar! Mas em contrapartida e pela lei das compensações, assumiu uma maior importância quer na ligação à terra e à Natureza quer na sua preservação, pois que graças à caça e pela caça, sobrevivem hoje espécies e se mantém o ambiente e a biodiversidade! Não tenho dúvida de que o caçador em mim passará a outro, como me foi passado e se manifestou em mim, e assim acontece desde o início dos tempos, porque ele é útil! E passará, não só pelas leis da genética mas também por via das idéias que se divulgam e cultivam, outra admirável e exclusiva capacidade humana!

É verdade que o caçador procura um regresso à Natureza? Sim, o operário da cintura industrial das grandes cidades, o urbano dos bairros citadinos, o que vive nas metrópoles, os saudosos do campo e da vida ali, que mantêm vestígios da cultura campesina, e são ainda muitos, hoje talvez até a maioria! Porém e o caçador rural, o aldeão que vive na, com, e da Natureza? Como pensar que vá à caça para se sentir próximo da Natureza? Também isso não basta...

Então afinal porque caçamos?
Bom, eu, caçador actual e ser pensante, cheguei à conclusão que, quando pego na arma e saio para o campo ou para o mar, afinal aquilo que faço é perpetuar o gesto do meu longínquo ancestral, no momento em que empunhou pela primeira vez uma arma e alijando a sua condição de presa, se ergueu em glória de predador!
É isso que eu revivo e celebro desde essa altura!
É o que me foi passado no código genético e que eu passarei a outros, por muito que nos “eduquem”, reprimam ou reprovem.
É isso que nos diferencia do alpinista, do passeante, do observador!
É isso que nos leva a ser o que somos...

Afinal é por isso que caçamos!

Foram os caçadores que deram aos artistas e aos filósofos a oportunidade de o serem... que proporcionaram à humanidade chegar até hoje. Foi a caça que lhes permitiu estarem aqui hoje, os biólogos e políticos, os “bem pensantes” dos direitos animais e do ambiente, os “modernos”, todos os que agora tentam acabar connosco!
Deviam estar-nos gratos, perceber o nosso direito a existirmos pelo simples facto de o sermos e gostarmos de caçar, e, não acabar connosco porque já não lhes fazemos falta, porque perderam a capacidade de nos entender e ignoram este facto ancestral.
Não teremos então já, o direito a existir?
Não pretendo fazer de ninguém caçador, tão pouco impor que seja obrigatório caçar... como o fariam os meus detractores! Procuro apenas divulgar porque sou caçador, e que me respeitem por isso.
Não luto para impor as minhas idéias e sim pela defesa de ter direito a elas!

António Luiz Pacheco, Fevereiro de 2010


Texto da autoria de António Luiz Pacheco e aqui reproduzido com a devida autorização do autor

14 de fevereiro de 2010

Com os Meus Botões

Enquanto procedia à limpeza e manutenção do equipamento, acabei por me deixar envolver e levar em pensamentos e divagações sobre esta paixão que tanto me anima e estimula enquanto devoto de Santo Huberto.

O uso de armadilhas na captura dos animais surgiu muito antes do fabrico das primeiras armas de caça, pois estas exigem um conhecimento mais avançado do que aquele que é necessário para se escavar um buraco no chão e dissimula-lo ou conduzir uma manada para um abismo. No entanto todos estes artifícios possuem em comum quatro objectivos: a segurança do caçador; a conservação de energia; a poupança de tempo e a eficácia na captura.
Neste contexto, as armas foram as que mais se desenvolveram, acabando por transformar-se a pedra que era projectada, através da força muscular, a pouca distância e nem sempre certeira, no mais avançado dos mísseis, controlado por computador e disparado do espaço para um preciso local no globo terrestre.

A tecnologia utilizada na caça acompanhou esta evolução e hoje o caçador moderno tem à sua disposição uma parafernália de acessórios sofisticados que lhe permitem detectar e identificar a presença de um animal a quilómetros de distância na mais negra das noites, medir a extensão que os separa, chama-lo até ao alcance útil da sua arma sem lhe perder o rasto, corrigir a linha de mira através de um sistema digital conectado a um GPS e a uma estação meteorológica portátil, abater o bicho com um único disparo e tudo isto fazer sem qualquer tipo de dificuldade, sem sair do local onde abancou inicialmente e sem perder o tal jogo de futebol que recebe via satélite e visiona através do ecrã do telemóvel, o mesmo que tira a foto final e que manteve o caçador permanentemente conectado ao resto mundo em todas as fases do lance.

Nós, que em defesa da Caça alegamos estar no mais directo contacto com a Mãe Natureza, como é que lidamos e respondemos a isto?
- Investindo em melhores caçadores, mais responsáveis e conscienciosos; privilegiando a aquisição, a partilha de informação e de conhecimentos; agindo na base do saber, do respeito e da ética e, sobretudo, repudiando toda e qualquer conduta do facilitismo em favorecimento do esforço e da persistência que caracterizam os verdadeiros Caçadores e a genuína tradição.

Sobre os botões, a era espacial também nos enriqueceu com materiais próprios para envergarmos na diversidade de climas e condições meteorológicas, os quais persistimos em decorar com pinturas e símbolos vários, objectos em madeira, em osso ou metal, na tentativa de retratar e de regressar ao mundo natural.
Servem como uma espécie de talismãs de boa sorte, "magia" essa que, apesar de falível, jamais será suplantada pela mais exacta tecnologia. Ignorar essa relação é desvirtuar a essência da Caça!

10 de fevereiro de 2010

XI Montaria ao Javali de Mós do Douro

A XI Montaria ao Javali de Mós do Douro, realizou-se no dia 6 de Fevereiro de 2010, e foi organizada pela Associação de Caçadores das Encostas do Douro, tendo sido o seu Director o Sr. Alexandre Silva.
Contou com 110 Portas, 15 Matilhas e 19 Javalis cobrados.

Trata-se já de um acontecimento verdadeiramente Nacional levando a esta Freguesia Monteiros de todo o País incluindo das Regiões Autónomas, embora os caçadores do Norte e em particular os de Trás-os-Montes constituam o grupo mais numeroso.
Os Açorianos Cremildo Marques (o Barbas) e o autor destas linhas são já uma presença constante neste popular e significativo evento cinegético e social.
Como aspecto menos positivo refiro o comportamento impróprio de um ou outro “Monteiro” a fazer tiro ao alvo já depois do sinal indicador do fim da Montaria, com todos os inconvenientes e agravantes que tal comportamento representa para a segurança e para o ajuntamento dos cães (como muito bem sublinhou o Dr. Ângelo Sequeira).

Tanto os mais novos como os Monteiros de idade mais avançada marcaram presença, como foi o caso dos tocadores de acordeão que com a sua sabedoria e sensibilidade musical animaram a festa, a que se juntou um outro cantador de improviso.
Um dos tocadores era Monteiro e transportava a bonita idade de 85 primaveras, enquanto o outro era Matilheiro, mais moderno, mas também na casa dos “entas“.
Destacaram-se também a presença de jovens Monteiras, garantia de um futuro mais alegre, pois sem a presença e participação feminina o futuro da caça seria bem mais triste.

O dia esteve magnífico, com as Portas colocadas a rigor e por Postores eficientes. As vistas sobre o rio Douro eram de cortar a respiração. As vinhas, as amendoeiras, as Oliveiras e o rio são inseparáveis e de uma beleza rara!
A jornada de caça correu bem, com segurança, com porcos, com animação das matilhas.
De seguida foi servido um excelente almoço com uma bela sopa de legumes com feijão e um grão guisado com carne de porco e enchidos e como se não bastasse, tudo isto foi regado com um bom vinho do Douro. Que bem se come nesta Região!

Findo o almoço procedeu-se ao leilão das peças cobradas, ajuda preciosa à Organização para fazer face às crescentes despesas. Aqui o meu amigo Cremildo das Barbas, do Pico, é realmente um Doutorado na matéria. O seu vozeirão, as suas piadas e a sua experiência, são garantia de que os javalis leiloados geram sempre boas receitas, tendo este ano se cumprido novamente tal tradição.
Terminada a arrematação e acertadas as contas, para nós e especialmente para mim, a parte mais difícil foi arranjar o javali “que nos coube em sorte”, não fora o Sr. Januário nos ter disponibilizado a sua garagem, então é que esta tarefa teria sido mesmo muito complicada, é que desmanchar um porco com mais de 100 kgs e às escuras, garanto-lhes que é mesmo muito difícil, mas lá conseguimos dar conta do recado! Inclusivamente foi-nos disponibilizada uma arca congeladora, cedida por uma alma caridosa e amiga, para transportarmos parte do javali, já que a outra foi logo repartida com quem teve a amabilidade de nos ajudar.

Assim, já temos mais um motivo para, em São Miguel, juntarmos uns quantos Compadres e Confrades e fazermos uma festa em honra do Javali e da Caça!
No entanto a Montaria só terminou verdadeiramente na adega do Sr. Polido, a provarmos um excelente Vinho do Porto que só a Região do Douro é capaz de propiciar!

Fazemos votos para que o ano corra Bem para todos e passe depressa, porque já tenho saudades de voltar a Mós do Douro, terra de gente boa e de grandes artistas na arte de trabalhar o Douro.

Gualter Furtado, Fevereiro de 2010


Texto e fotos da autoria de Gualter Furtado

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