A época venatória de 2014/2015 será certamente recordada
pela mortalidade de coelhos-bravos provocada pela nova estirpe da Doença
Hemorrágica Viral (DHV) e pelas dificuldades criadas por uma crise que desanima
muitos dos caçadores marienses ao ponto de cederem alguns dos seus cães e
desistirem da caça. Nas linhas que se seguem partilharei informação gentilmente
cedida pela Direcção Regional dos Recursos Florestais (DRRF), pelo Sr. Dr. Rui
Forte, médico veterinário dos meus cães, para além daquela que fui recolhendo,
na tentativa de traçar um retrato do estado da caça na Ilha de Santa Maria.
A
doença dos coelhos
A primeira ocorrência da DHV surgiu na Ilha Terceira em
1989, tendo-se depois espalhado por todas as Ilhas dos Açores. Em Santa Maria
isso teve consequências terríveis na população de coelhos-bravos e domésticos,
provocando um elevado número de animais mortos e levando ao fecho da caça por
mais um ano. O último surto da doença registou-se na época de 2011/2012.
A detecção dos primeiros coelhos mortos em Santa Maria, nesta época de 2014/2015,
registou-se a 05/02/2015, tendo a caça fechado 5 dias depois, desconhecendo-se
quando reabre. Em 26/02/2015 já se tinham contado 352 coelhos mortos e em
13/03/2015 contabilizaram-se 805 coelhos mortos pela doença. Infelizmente estes
números não reflectem a realidade, porque muitos dos coelhos não chegam a ser
detectados por se encontrarem em locais ermos e inacessíveis, pelo que estimo
tratar-se de um número maior. A DHV é uma doença infecto-contagiosa, altamente
contagiosa, que afecta os coelhos-bravos e domésticos, transmitindo-se por
contacto directo ou através de objectos contaminados, roedores e insectos.
Manifesta-se cerca de dois dias depois da infecção e provoca uma mortalidade que
varia entre a metade e a totalidade da população de coelhos num determinado
local. Apesar de não se transmitir aos humanos, a carne dos coelhos afectados
não deve ser consumida, porque há sempre o risco de se ingerir carne insalubre.
Os coelhos que sobrevivem, permanecem portadores e podem continuar a espalhar o
vírus durante cerca de um mês. A prevenção consiste essencialmente no controlo
de insectos e objectos contaminados. Nesse âmbito a DRRF mandou afixar em
locais públicos da Ilha um boletim informativo onde, para além de informação
sobre a doença, indica precauções e expõe algumas normas que devem ser
respeitadas na recolha e eliminação dos coelhos mortos. Para esclarecimentos
adicionais, deverão os interessados contactar o Serviço Florestal de Santa
Maria através do telefone 296 204 685.
Caçadores perdem expressão
A existência
deste surto em Santa Maria surge numa altura em que a população dos coelhos
ainda não tinha recuperado os níveis anteriores a 2011. Conjugando o menor
número de peças de caça, com o fecho antecipado da época venatória e o
encerramento dos cães nos canis, com o agravamento das condições de vida e com
a falta de uma entidade organizada que represente os caçadores de Santa Maria,
muitos têm optado por reduzir despesas que, nos casos mais extremos, resultam
na desistência da actividade venatória, embora o número de caçadores com carta
válida em Santa Maria pouco tenha oscilado nos últimos 5 anos, mantendo-se
entre os 166 em 2010 e os 167 em 2014. O mesmo não se poderá afirmar quanto à
emissão das licenças de caça que passaram de 203, na época de 2011/2012, para
apenas 107 emitidas em 2013/2014.
Perspectivas pouco animadoras para a caça
Os
caçadores marienses deparam-se agora com uma variante extremamente agressiva do
vírus da DHV, que lhes está a provocar uma elevada mortalidade na população de
coelhos-bravos. Constata-se um afastamento crescente dos titulares de carta de
caçador em relação à prática da caça, porque caçam cada vez menos e não podem
soltar os seus cães, porque possuem maiores dificuldades em fazer face às
despesas decorrentes da actividade e do custo de vida e também porque não se
sentem representados. Acresce a tudo isto o surgimento de actividades
desportivas e recreativas com elevada participação e potencial para a Ilha,
também relacionadas com o uso da natureza e que se desenvolvem em terrenos de
caça. Zona de caça e campo de treino Os caçadores de Santa Maria, enquanto
associados, nunca apostaram na criação de uma zona de caça associativa ou campo
de treino onde se pudesse desenrolar a prática da caça e o treino dos seus
cães. Se isso tivesse sido levado a cabo, não se evitaria o surto da
hemorrágica, como é lógico, mas teriam quem os representasse, geriam e
usufruiam de um espaço, podiam libertar e treinar os seus cães durante todo o
ano, investir na formação e nas boas práticas ambientais, inclusivamente
minorar os efeitos das maleitas que afectam os coelhos. E até podiam ir mais
longe, colaborando com outras entidades e contribuindo para o desenvolvimento
da nossa bonita Ilha de Santa Maria.
Os caçadores que se pronunciem
Perguntou-me “O Baluarte” se estaria na disposição de escrever um artigo de
opinião sobre o estado da caça em Santa Maria. Manifesto o meu agradecimento
pela oportunidade, sendo que o redigi na qualidade de caçador. Enalteço a
pronta colaboração na cedência de informação, da DRRF, na pessoa da sua
Directora, Exm.a Sr.ª Eng.ª Anabela Isidoro, e do Sr. Dr. Rui Forte.
Relativamente ao estado da caça nesta Ilha, penso que as linhas que escrevi a
retratam com fidelidade. Sobre o seu futuro, devem ser os caçadores de Santa
Maria a pronunciarem-se.
Artigo de opinião publicado na edição deste mês d' O Baluarte